Tempora mutantur et nos in illis...

TEMPORA MUTANTUR ET NOS IN ILLIS...

http://falandodetrova.com.br/colunadopedromello 

I

 

            Que meus eventuais leitores me perdoem do título em latim – não é frescura, exibicionismo ou cabotinismo. Lembrei-me do adágio latino, cuja tradução é “novos tempos, novos costumes” porque acho que o advento da internet mudou a configuração da sociedade mais do que as pessoas imaginam.

            Antes da internet e da popularização do correio eletrônico, as pessoas se comunicavam por escrito através das cartas. Na era das navegações, as cartas demoravam semanas ou meses para chegar ao destinatário. Se no Brasil Colônia, alguém mandasse uma carta para avisar que um parente estava nas últimas, possivelmente até a carta alcançar o destinatário e o dito cujo vir ao Brasil, sua vinda coincidiria com a missa de um ano de falecimento....

            Mas “tempora mutantur et nos in illis”, o correio se modernizou, o selo postal foi criado pelos ingleses em 1840, inventou-se o avião no início do século XX, o Brasil criou o CAN (Correio Aéreo Nacional) em 1931 e a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos na década de 60. O tempo mudou, o mundo se modernizou e a configuração da ordem de coisas sofreu (e sofre!) constante mutação...

            As mudanças, entretanto, não surgem num passe de mágica. A novidade convive com a tradição durante muito tempo e, em diversos casos, as duas realidades passam a coexistir e se tornam questão de escolha pessoal. O CD sucedeu o vinil enquanto meio de propagação da música, mas ainda há muitos que preferem o bom e velho toca-disco, assim como o DVD sucedeu a fita cassete. Atualmente, o blue-ray já promete “aposentar” o DVD, que certamente continuará existindo por um bom tempo. Na maioria das vezes a tecnologia é cara e fora do alcance da maioria das pessoas. O antigo é mais barato e, por isso mesmo, mais acessível. Nem sempre o novo é democrático. (Mas isso é outra história...)

            Como dissemos no parágrafo anterior, a novidade convive com a tradição. Na maioria das vezes, “numa boa”. Hoje poucas pessoas – proporcionalmente falando – usando o correio para postar uma carta a um parente ou a um amigo. A maioria das pessoas usa o e-mail. E quem não tem computador pessoal acessa a internet do local de trabalho, da escola ou de uma LAN House (sigla em inglês, “Local Area Network”, “Rede de Área Local”), estabelecimento que se encontra até nos lugares mais improváveis do país... A carta ainda subsiste –  para aqueles que não têm acesso à internet ou para a comunicação com quem não tem, geralmente pessoas que não tiveram oportunidade de aprender a manejar  um computador.

 

II

 

            E quanto a nós, trovadores da UBT, a maior e mais bem organizada entidade literária do Brasil? Ainda usamos a carta, geralmente para enviar um recorte de jornal, ou um boletim impresso, mas nos comunicamos – na maior parte das vezes – pelo simples clicar de um mouse no ambiente de um correio eletrônico. Assim, meu grande e dileto amigo José Ouverney – que mora em Pindamonhangaba, cidade a 136 quilômetros de São Paulo, onde resido – se torna praticamente um vizinho com quem me comunico quase todos os dias numa velocidade que só a internet é capaz de proporcionar. Todos os dias recebo as mensagens do Ademar Macedo – de Natal (RN) – que prepara um boletim virtual com trovas e outros poemas e nos envia por email todo santo dia. Benditos sejam eles e a internet! Se não houvesse a internet, a trova seria muito menos divulgada por causa do alto custo do papel e dos serviços postais. As mensagens eletrônicas não têm custo. A internet (embora mau usada por muitos) é um meio democrático de acesso a toda a informação. Basta ser seletivo e criterioso para separar o que é bom do que não presta. (Em termos de trova, com exceção da trova escabrosa e dos textos de ataques pessoais, tudo é de grande proveito para todos!)

            Penso, entretanto, em nossos concursos e jogos florais. Usamos o consagradíssimo e muito inteligente sistema de envelopes, que dispensa comentários. Seria, possível, entretanto, usarmos a internet como um meio de enviar trovas? Seria possível enviarmos trovas para os concursos por email, sem, com isso, quebrar o princípio da não-identificação do autor? Ora, se o email do remetente aparece na caixa de mensagens do remetente, isso não torna impossível que se mandem trovas anonimamente?

            Tempora mutantur et nos in illis... Com um pouco de criatividade, união e boa vontade, me parece possível se remeterem trovas a um concurso e se manter o sigilo da identidade. Como? Tenho uma ideia, que acalento desde que o Brasil “descobriu” o e-mail, que poderia se desenvolvida em seis passos:

 

  • 1º. Passo – A seção ou delegacia abriria uma conta de email em nome da entidade. Em nosso exemplo hipotético poderia ser ubt.jambeiro@gmail.com. Cito o gmail como exemplo porque é o provedor gratuito mais fácil de acessar e o que tem o maior espaço para arquivamento, mais de 7 gigas. É memória pra caramba! Esse email oficial seria o canal para onde todos os internautas mandariam suas trovas.

 

  • 2º. Passo – Dois organizadores para um Concurso ou Jogos Florais. Um receberia as trovas e o outro as organizaria para enviá-las à(s) comissão(ões) julgadora(s). Imaginemos uma situação hipotética. Suponhamos que eu residisse em Jambeiro (SP) e, junto com o José Ouverney, fosse organizar um concurso. Eu apenas receberia  as trovas pelo correio ou pela internet. Colaria num arquivo do Word as trovas vindas por e-mail, as imprimiria e retiraria os envelopinhos pequenos de dentro dos envelopes grandes. Entregaria as trovas impressas e os envelopes para o José. Ele selecionaria e numeraria as trovas que vão para julgamento, conforme o seu critério, digitaria todas elas e me daria um cópia. Eu numeraria os envelopes e as trovas impressas em sequência. Talvez, para fins de transparência, apenas aquele que recebe as trovas saberia a senha de acesso para acessar a caixa de mensagens.

 

  • 3º. Passo – Um organismo central na UBT (talvez a UBT Nacional, se ela se interessasse pelo assunto) ou um trovador individual (desde que publicamente) abriria uma conta de email para servir de destinatário a todos os trovadores de todos os lugares. Como usamos o nome de Luiz Otávio nos remetentes dos envelopes, este poderia ser o nome na conta de e-mail. Exemplo: luizotavio.ubt@gmail.com. A senha de acesso a essa conta seria igualmente de acesso a todos, por exemplo “trovador”. Isto seria um padrão para todos. Assim, serviria não somente para Jambeiro (em nosso modelo hipotético), mas serviria de remetente para todos os concursos de trova promovidos pela UBT.

 

  • 4º. Passo – Na  hora de enviar o email de luizotavio.ubt@mail.com para ubt.jambeiro@gmail.com, o trovador mandaria suas trovas sem indicar o seu nome, talvez utilizando um pseudônimo. Bastante simples. Obviamente, o coorganizador que recebe as trovas apagaria o pseudônimo (afinal de contas, não é necessário para o júri) na hora de imprimir e entregar ao outro coorganizador. Se utilizasse uma conta do gmail, como exemplifiquei, depois de enviar as trovas, o trovador clicaria em “Enviados” e excluiria a mensagem que mandou. Assim, quem utilizar a conta depois não verá as suas trovas. Transparência!

 

  • 5º. Passo – De dez a vinte dias dias depois de terminado do prazo de remessa das trovas, quando – provavelmente – elas já tenham sido apuradas e selecionadas e estejam em fase de julgamento, os participantes mandariam um novo email (usando o mesmo remetente anterior) para o email oficial do concurso e, na mensagem, sob o título “Identificação”, indicariam o pseudônimo usado, o primeiro verso de cada trova e sua autoria. Depois de enviar a mensagem com a identificação, o trovador novamente clicaria “Enviados” e excluiria a mensagem. Assim, igualmente, outros trovadores que fizerem uso da mesma conta não verão as identificações dos outros. Transparência!

 

  • 6º. Passo – No final da apuração, quando eu e o José tivéssemos a relação das trovas premiadas, abriríamos os envelopes e acessaríamos juntos a caixa de mensagens do e-mail da nossa delegacia a fim de sabermos os nomes dos premiados. Se nossa UBT fosse uma seção, poderíamos convidar os outros membros da diretoria e demais associados para o momento solene da abertura dos envelopes e do acesso ao email da UBT. Tudo isso é ser transparente e transparência é tudo!

 

Para concursos virtuais, seria possível adotar quase todos esses procedimentos, adaptando-se ao formato do concurso.  Evidentemente, não posso abarcar todos os detalhes, nem quero. Alguns itens poderiam ser resolvidos  ou modificados pela criatividade e disposição dos organizadores e promotores dos eventos.  Note que eu usei a palavra transparência mais de uma vez. O envio de trovas pela internet poderia gerar suspeitas quanto à transparência do concurso. Acredito que essa possibilidade que ora vislumbro poderia evitar tais suspeitas.

Meu objetivo é mostrar, através deste artigo, que é possível, sim, que trovas sejam enviadas eletronicamente para os Concursos de Trova e Jogos Florais, desde que haja interesse, organização, um “combinado” entre as partes envolvidas e, acima de tudo, que ninguém queira fazer tudo sozinho e sem dar satisfação para os outros. No entanto, ressalto que não estou sugerindo que se acabe com o sistema de envelopes – ele é importante, inteligente, seguro e íntegro! Tampouco estou sugerindo que todos os promotores devessem aceitar trovas por email. Cada um faz o que achar conveniente, de acordo com seus próprios gostos e inclinações! Isto se chama livre-arbítrio. Não estou sugerindo nada nem dando "lições" ou palpites. Apenas expresso minha opinião, uma conquista do Estado democrático de Direito. Óbvio ululante, como diria Nelson Rodrigues.

Aquilo que dava certo antes (e ainda dá) não impede que as novidades deem certo. Aponto que os métodos não se excluem, mas se complementam. O sistema de envelopes é muito bom, mas é possível usar a internet para o envio desde que isto seja algo bem feito e com procedimentos cuidadosos.
 
Quanto à quebra do anonimato, desde que as pessoas sejam honestas, ela não acontece. Ela poderia acontecer? Poderia, talvez. Somos humanos e falhos por natureza. Mas isto não é inerente à internet nem impossível de acontecer com o sistema tradicional. Também poderia acontecer com o sistema de envelopes. Quando o ser humano quer, ele frauda qualquer sistema – por melhor que seja. Quando ele é integro, ele faz as coisas honestamente; independente de sua situação ser favorável ou não.  Isto vale para todos os tipos de concurso - tradicionais e virtuais.

 

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Pedro Mello,  32 anos, professor de Português e associado da UBT Seção de São Paulo