Das Delícias de ser Sanguessuga

DAS DELÍCIAS DE SER SANGUESSUGA: UM ESBOÇO AUTOBIOGRÁFICO

(texto de Pedro Mello - 04.11.2014)

 
              Quando conheci o trovismo em 1997, não imaginava que eu tinha uma inescapável vocação para ser sanguessuga, nem que um dia pensaria em escrever memórias.
           
           Sempre ouvi falar das virtudes (muitas vezes autocelebradas) daqueles que trabalham pela Trova e pelo crescimento de sua entidade. Porém eu, que tenho um espírito de vagabundo e de aproveitador, jamais quis qualquer compromisso ou trabalho braçal: meu negócio é festejar.

            Claro que não sabia até que ponto chegaria: ainda não era uma sanguessuga. Descobri-me uma sanguessuga quando fui a uma festa de Jogos Florais pela primeira vez, em 1998, na encantadora Nova Friburgo. Nem premiado eu havia sido! Fui representar um trovador premiado que não podia comparecer: quer maior cara de pau do que essa para um novato no mundo da Trova?

            Adorei Nova Friburgo. O Rodolpho Abbud e a Nádia Huguenin (eh, Saudade!) me acolheram de braços abertos e o charme irresistível do “berço dos Jogos Florais” acendeu meus instintos: e se eu também fizesse trovas e participasse dos concursos? Se eventualmente ganhasse, teria uma boca-livre garantida. Magnífico!

            E para me inspirar, um trovador do Rio de Janeiro chamado Waldir Neves (alguém já ouviu falar?) me serviu de modelo: ele jamais quis trabalhar pela Trova. Ele só queria premiar e ir a festas. E em troca, pouca coisa: apenas trovas antológicas.

            Eu, é claro, não sou capaz de trovas antológicas. Não nasci com o dom de Waldir Neves, mas tive muita sorte. Premiei em várias cidades (inclusive Friburgo, que me concedeu um título em 2010) e conquistei muitos amigos.

            Mas ser um aproveitador não é meu único defeito. Também tenho o de não saber ganhar dinheiro na Meca das oportunidades, que é São Paulo. Fiz uma faculdadezinha de Letras, prestei dois concursozinhos para professor (no Estado de SP e na capital) e me condenei a uma vida financeira apertadinha. Quantas vezes eu viajei contando o dinheiro das passagens de ônibus ou estourei meu cartão de crédito! Quem mandou não ganhar dinheiro para fazer generosas doações aos organizadores dos eventos! Tudo para usufruir uma boca-livre na maioria das vezes em outros Estados da Federação.

            Apesar das minhas falhas de caráter, nem tudo é tão escuro em minha alma: sou uma sanguessuga do bem. (É o que eu acho, embora haja sólidas e respeitáveis opiniões em contrário.) Fico em qualquer hotel e como o que me oferecerem. Sou um morto de fome e, como tal, aceito o que me dão. Procuro não dar muito na vista o meu oportunismo e faço meia dúzia de trovinhas meia-boca por ano e participo de concursos. Tenho ido, na maioria das vezes, somente a solenidades onde sou premiado. Não posso dar na vista.

            De quebra, além da hospedagem grátis e da comida à vontade, fiz grandes amigos. Prefiro a cama e a comida, mas os amigos me proporcionam momentos inesquecíveis, finais de semana mágicos em que esqueço a correria do meu quotidiano na “Pauliceia desvairada”.

            O mais delicioso de ser sanguessuga é que meu mau caráter teve uma recompensa: Nova Friburgo me concedeu cadeira cativa! Para ir lá, não preciso nem fazer minhas trovinhas chinfrins nem me esconder atrás de um carguinho: basta arrumar a mala e ir. Vida boa! Entretanto, como tudo tem limite, ainda faço trovas para, pelo menos, os organizadores saberem que os tenho em alta conta. 2013 foi o único ano em que fui a Friburgo sem premiar. Falha imperdoável! Isso pesa contra minha imagem e deixa minha cara de pau à mostra. Mas gosto tanto de Friburgo e dos meus irmãos trovadores friburguenses, que vou lá, com toda a desfaçatez possível, mesmo que não premie. Afinal, eles deixam!

            Estou sugando ao máximo tudo o que posso, pois um dia essa boa-vida pode acabar. Como é que eu ficaria? O que mais me alegra, porém, é saber que há dezenas de sanguessugas iguais a mim, se aproveitando dos Jogos Florais para fazer turismo grátis. Maravilhoso! E o mais legal: há vários organizadores ingênuos, que se sentem felizes por ser explorados por dezenas de aproveitadores que eles convidam para suas próprias festas! Como esse masoquismo deles me é conveniente!

            Enquanto o tempo permitir, vou levando minha vida de sanguessuga alegre.

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OBS: o Prof. Pedro Mello é "Magnífico Trovador" por Nova Friburgo desde 2010 e palmeirense desde sempre