Poesia Palestina de Combate

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(texto de José Fabiano, mineirim de Uberaba)

“POESIA PALESTINA DE COMBATE

Seleção de Abdellatif Laâbi

Prefácio de Farid Suwwan

Editora achiamé

Rio de Janeiro

1981

 

A SARTRE

 

Se degolam uma criança

e seus verdugos atiram seu cadáver

no lodo

ficarás com raiva?

que dirás tu?

 

Sou palestino

me degolam todo ano

todo diat

toda hora

vem

observa bem a barbárie

em toda sua minuciosidade

são muitos espetáculos

e o menor

é que meu sangue corre... corre

 

fala

por que te tornaste insensível?

não tens nada que dizer?

 

Salim Jabran

 

*****

 

PREFÁCIO

 

Sento-me para escrever...

Mas, o que é que posso escrever?

De que vale dizer

pátria minha’... ‘minha gente’... ‘meu povo’?

Será que posso proteger a minha gente com palavras?

Será que com palavras salvarei meu povo?

Por acaso não é absolutamente ridículo, sentar-me,

hoje, para escrever?

 

Fadwa Tuqan, do livro o comando e a terra

 

              Esta poesia inspira-se em um fato real, a morte de um guerrilheiro palestino, em fins de setembro de 1967. Na agenda do guerrilheiro morto, encontravam-se escritas algumas frases, mais ou menos as mesmas que Fadwa Tuqan reproduziu nesta primeira parte do seu poema. Continuando, o guerrilheiro tinha escrito com grossos caracteres: ‘Que a bala grite, e cale a pena!’

              Eu penso que a bala não deva calar, mas também a pena não pode emudecer. A poesia palestina, nascida da dor e da luta de um povo, é formalmente muito heterogênea, mas reflete um mesmo sentimento de injustiça e rebelião; com força, impressiona até o leitor mais alheio ao tema.

              Afinal, essa poesia é o testemunho vivo de uma trágica situação pessoal e coletiva, refletindo ao mesmo tempo valores literários que só muito recentemente a crítica ocidental vem descobrindo. Mas a poesia palestina transcende, eu creio, a situação concreta, a terra e os homens da Palestina, erguendo-se como um grito de dor unânime de todos os espoliados, de todos os injustiçados.

              Quando se fala em Palestina e Israel, comete-se geralmente um erro que condiciona toda análise posterior: atende-se exclusivamente ao momento atual, sem se falar da origem do conflito.

              Eu não vou fazer aqui um histórico da Palestina. Basta dizer que a Palestina, durante os últimos mil e seiscentos anos, não esteve esperando como um imóvel vazio e desocupado. O povo palestino que nasceu, trabalhou, amou e morreu na Palestina por mais de um milênio, viu-se, em pleno século vinte, desapropriado e expulso do seu país e, ainda, impiedosamente perseguido além das fronteiras da sua pátria, que foi apagada do mapa.

              Palavras tais como Terra Prometida, Destino Histórico ou Decreto Divino não nos impressionam. Por cima de todos esses conceitos está a dor do homem espoliado e incompreendido, está a terrível injustiça contida contra um povo indefeso. Essa injustiça se perpetua até hoje.

              É preciso deixar bem claro que nós, os palestinos, sabemos da longa série de perseguições e massacres que os judeus padeceram. Mas nunca conseguimos compreender por que nós deveríamos pagar (e a que preço!) as dívidas do Ocidente. No mundo árabe, e concretamente na Palestina, nunca houve uma inquisição, nunca existiram guetos ou pogroms, não geramos um Hitler. Durante os tenebrosos séculos de perseguição, os judeus sempre acharam paz junto aos árabes. Não existe na nossa história, nada que nos leve a aceitar que o judeu, pelo fato de sê-lo, tenha direito a expulsar-nos da nossa pátria e arrasar nossas cidades.

              Enquanto isso, aqueles que com tão grande indiferença viram como seus vizinhos judeus eram jogados nos campos de concentração, decidiram que, ao invés de ajudar e acolher as vítimas do nazismo, era melhor reparar uma injustiça com outra injustiça, um drama com outro drama. Fizeram de nós um povo de refugiados e apátridas, expondo-nos às mesmas perseguições e massacres que os judeus padeceram. Piada de mau gosto? Talvez possa parecê-lo, mas essa é hoje nossa situação.

              Os judeus que, por própria experiência, deveriam saber melhor do que ninguém, o que é a discriminação e a opressão, não hesitaram em transformar-se, por sua vez, em opressores. Não desejaram viver conosco na Palestina, senão no nosso lugar. Não perguntaram, naturalmente, nossa opinião. O povo palestino foi o molesto obstáculo que é preciso remover do caminho, não importa por que meios. Foram os sionistas que trouxeram o terror ao Oriente Médio. Foram eles que, para se desembaraçarem de nós, praticaram contra populações palestinas indefesas todo tipo de crimes. São eles que hoje nos bombardeiam incessantemente, que roubam nossas terras e destroem nossas casas e lavouras. Depois, se lutamos, somos chamados de terroristas.

              Os poemas recolhidos neste livro são apenas pequena amostra de larga produção literária palestina. Espero que abra uma brecha, que permita ao leitor apreciar algo da cultura palestina, sistematicamente negada e afogada pelo opressor sionista.

              Estas poesias palestinas representam um grito de vida, uma ardente crônica da ocupação e do exílio, a demonstração de que mais de trinta anos de destruição não conseguiram arrancar nossas raízes.

              A todos os que diariamente falseiam nossa história e nossa luta, aos que ergueram um muro de silêncio e morte em torno de nós, dizemos que não deixaremos que a pena se cale nem que emudeça o fuzil.

 

                                                                                    Farid Suwwan

                                                                                              Representante da O.L.P. no Brasil

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Texto postado em 10.05.2010 - José Fabiano