Considerações sobre o ritmo do verso

                    CONSIDERAÇÕES SOBRE O RITMO DO VERSO  

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      Embora o ritmo da redondilha maior não seja rígido como o do verso hendecassílabo, por exemplo, isto não quer dizer que a trova prescinda de ritmo, num autêntico “vale tudo”. Anos atrás, no boletim nacional, o Mestre João Freire (o Mattoso Câmara da UBT!) aludiu à questão, que é atemporal, e mostrou que o ritmo é importante, sim, na trova. Quem guardar exemplares do boletim nacional daquele tempo confirmará o que estou dizendo.   Em dezembro de 2008, na reunião da UBT São Paulo, uma trovadora me mostrou num livreto de um concurso uma trova premiada e me perguntou se eu não achava o ritmo “estranho”. Li a trova baixinho e – bingo! – a trovadora estava com razão... Os versos da dita trova sucediam como se fossem tropeções e o problema da construção estava nas tônicas.   Na mesma hora, me lembrei dos festejos de Pindamonhangaba de 2008, quando o Izo Goldman em sua palestra, ao falar do Juventrova, mencionou que uma das primeiras trovas do gênero tinha a “acentuação perfeita”.   Falando em acentuação perfeita, um exame detido da estrutura rítmica de uma belíssima trova de Marina Bruna nos ajudará a compreender como o ritmo pode favorecer a expressão de uma trova:

Vão ficando tão distantes
os carinhos do passado,
que eu nem sei se o que era antes
foi vivido ou foi sonhado...

     O que chama a nossa atenção é o ritmo marcado dos versos. Em todos os versos a 3a. sílaba é tônica, o que imprime aos versos um ritmo cadente. Vejamos mais atentamente esta questão formal. O que confere à trova em questão o ritmo tão marcado é a repetição dos mesmos pés no decorrer dos versos. (Por falar nisto, uma observação importante: Pé é a unidade básica do verso. Na Antiguidade, o poeta recitava seus poemas acompanhado de lira ou marcando o ritmo com o pé, de onde lhe veio o nome.)   Para facilitar nossa consideração, usaremos a barra ( / ) para marcar as sílabas breves (ou átonas) e o traço(–) para marcar as sílabas longas (ou tônicas).   O primeiro e o quarto verso possuem 3 pés cada um: 2 troqueus e 1 crético. Se os escandirmos, vamos perceber o mesmo padrão rítmico: –/–/–/– –/–/–/–   Troqueu é o pé de 3 tempos formado por uma sílaba longa e uma breve (at. + ton.). Ex: “por-ta”. O primeiro e o quarto verso são iniciados pela sequência de dois troqueus, o que marca uma regularidade rítmica:

Vão – fi – can – do...    –      /       –         /

Foi – vi – vi – do ou...    –      /      –        /

     A mesma regularidade ocorre na 2a. parte dos versos em questão, formados cada um por um crético. Crético ou Anfímacro é o pé formado de uma sílaba breve entre duas longas. (ton. + at. + ton.). Trata-se de uma estrutura mais complexa, chamada de “pé composto”, em oposição a “pé básico”, como o troqueu (1 longa e 1 breve: -/), o iambo (1 breve e 1 longa: /-), o dátilo (1 longa e 2 breves: -//) e o anapesto (2 breves e 1 longa: //- ).   Os dois versos citados (1 e 4) terminam com um crético:

tão – dis – tan / tes    –      /       

foi – so – nha / do   –      /  

        Os versos 2 e 3 possuem dois pés cada: o segundo verso possui 1 peônio e 1 anapesto, e o terceiro verso possui 1 peônio e um crético: //–///– //–/–/–   Se olharmos atentamente à representação dos pés, notaremos que a diferença entre o crético e o anapesto é mínima e que, se não fosse o “do” (“do passado”) uma sílaba átona iniciando um anapesto, teríamos outro crético, o que faria os 4 versos terminar com o mesmo ritmo.   Como, no entanto, a sílaba átona interfere menos no ritmo que a sílaba tônica, o ritmo da trova, ao ser dita em voz alta, permanece praticamente igual em todos os versos: – / – / – / – / / – / / / – / / – / – / – – / – / – / –   

      O quadro nos proporciona uma visão de conjunto do ritmo da trova de Marina Bruna e, através desta esquematização, percebemos o seguinte: 1. A terceira sílaba é tônica (ou longa, se adotarmos a nomenclatura latina) em todos o versos, mantendo-se átonas (ou breves) a segunda, a quarta e a sexta. 2. A tonicidade na quinta sílaba (com exceção do segundo verso), aliada à força da terceira sílaba, confere o ritmo regular aos versos. 3. Se a sílaba elidida “que eu” (no terceiro verso) for considerada tônica, ao invés de um peônio e um crético teríamos novamente a sequência de dois troqueus e um crético, permancendo o segundo verso como a única exceção rítmica. 4. Mesmo que o segundo verso não seja composto pelos mesmos pés dos outros três, o simples fato de manter a tônica na terceira sílaba, sua leitura em voz alta pode obedecer ao ritmo do restante da trova.   Essas considerações não têm por objetivo estabelecer um cânon para a trova, uma vez que a redondilha possui, realmente, um ritmo mais livre, o que de forma alguma é um demérito.   O ritmo se torna um problema quando alguns versos possuem tônicas na 1a. e na 5a. sílaba, ou, em casos mais extremos, na 1a. e na 7a., fazendo o verso não ter ritmo de poesia, mas de prosa. Leia em voz alta o seguinte verso e note o quanto é desagradável sua sonoridade: “MES-CLA-DE-BO-NAN-ÇA E-FÚ|RIA”.   Notou? A sequência 1-5-7 não é suave. E se fizéssemos uma ligeira alteração?: “MIS-TU-RA-DE-PAZ-E-FÚ|RIA”,     A sequência 2-5-7 torna o ritmo mais suave.     Imagine, hipoteticamente, um verso assim: “PON-TO-DE IN-TER-RO-GA-ÇÃO”.   Seria um heptassílabo como qualquer outro. Não está quebrado. Mas o ritmo... não é de poesia. É ritmo de prosa. Tente lê-lo em voz alta e sinta que lhe falta poeticidade, suavidade... E isso não é uma idiossincrasia da minha parte. É uma questão de ouvido.   Claro que o ritmo não é tudo, pode alguém argumentar (com razão), mas questões de conteúdo, achado, metáfora, etc, não estão em pauta agora...   Independentemente do ritmo que o trovador empregar, sempre será útil que leia em voz alta e avalie se a sonoridade é agradável antes de enviar uma trova para um concurso ou antes de publicar em livro. Pedro Mello – UBT São Paulo Janeiro de 2009