II Festival Brasileiro de Trovadores - Maringá/1970

O II Festival Brasileiro de Trovadores teve como atração o "I Concurso Nacional de Conjunto de Trovas", em que cada conjunto era composto de 20 (vinte) composições. Foram contemplados os cinco primeiros classificados, a saber:

I  CONCURSO  NACIONAL  DE  CONJUNTO  DE  TROVAS

1º lugar: ENO THEODORO WANKE - Rio de Janeiro

Poeta é alguém que procura
iluminar tudo e nada,
passado na arquitetura
das nuvens da madrugada!

Na costa azul do horizonte
o sol, veleiro do céu,
bateu na crista de um monte
e afundou, num fogaréu!

Segue o rio peregrino
como nós, em seu andar,
pelos vales do destino,
buscando a morte no mar!

A lua cheia, que boia
no telhado azul do espaço,
para mim é claraboia
por onde, em sonhos, eu passo!

Teu corpo, que me compele,
tem esta graça lunar
da Vênus de Boticelli
surgindo, nua, do mar!

O meu destino se encerra
num grave e eterno conflito:
- meu corpo é feito de terra,
meu coração, de infinito!

O Rio de fevereiro
até no céu se intromete:
- a lua vira pandeiro,
estrelas viram confete!

No Carnaval, eis que a vida
se fantasia de luz,
curando os de alma ferida,
vestindo de sonho os nus!

Após o dia, que arranca
de mim trabalho e cansaços,
eu tenho a ternura branca
da noite em flor dos teus braços!

Pedir um beijo - cuidado! -
é faltra de educação.
O perfeito namorado
é também o bom ladrão!

Repare! Aquela criança
chafurdando na favela,
representa uma esperança
vivendo quase sem ela!

Por que espalhar nos caminhos
as pedras da intransigência?
- São as flores dos carinhos
que dão sentido à existência!

Estranho, porém verdade:
- no gênesis (que é poesia),
Eva nasceu da saudade
de um bem que ainda não havia...

A noite é um grave morcego
fechando as asas, no rito
de aconchegar em sossego
o sono astral do infinito!

Eu vos saúdo, trovando,
bela menina, por terdes
tanta esperança brilhando
no fundo dos olhos verdes!
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2º lugar: IRACI DO NASCIMENTO E SILVA - Rio de Janeiro

Apesar dos desencantos,
conheci a felicidade.
Se andei perdida em meus prantos,
solucei em liberdade.

Quando as noites tecem tramas
nas ruas sem lampiões,
os beijos acendem chamas
na poesia dos portões...

Num pensamento bizarro,
estendendo o olhar a esmo,
em cada porção de barro
vejo um pouco de mim mesmo.

Saudade é vida, é promessa,
esperança que voltou
no minuto que começa
quando um minuto acabou.

Eu te quero tanto, tanto,
com tal ternura e perdão,
que os teus erros, no meu pranto,
são fontes de inspiração!

Bendita a mãe que gerou
e traz seu tesouro ao seio.
- Mais sublime, a que aceitou
ser mãe do tesouro alheio!

Nesta vigília, sem dono,
o que mais me desespera
foi não guardar para o outono
certa flor da primavera.

De mim não sai, não deserta,
este amor-contradição
que se contenta na oferta,
sem pedir compensação.

cegueiras de amor, meu Deus!
causaram meu desatino:
outros olhos, não os meus,
conduziram meu destino.

Não me apresso, nem me atraso;
vivo o destino da pluma:
se não me levar o acaso,
chegarei a parte alguma.

Nada lhe iguala em virtude,
vale bem mais que um perdão
aquela heroica atitude
de uma simples compreensão.

Saudade... retorno aflito
de um eco descontrolado
que devolve aquele grito
que se esbarrou no passado.

Cumprindo um destino incerto,
meu coração, em tormento,
parece um ninho deserto
rolando ao sabor do vento...

Quanta surpresa e desejo,
nos olhos do adolescente,
quando descobre que o beijo
nem sempre é beijo inocente!...

Minhas mágoas rotineiras,
espero, um dia, me soltem...
- Também soluçam goteiras,
até que as estrelas voltem!

Sozinha, ao sentir no rosto
marcas que o tempo deixou,
penso, às vezes, com desgosto,
que até Deus me abandonou!

Quando, no horto, surpreendeu
seus discípulos em sono,
Jeus foi homem - sofreu,
provando o fel do abandono!

A tudo renunciaria,
não temeria embaraços,
para ser tua um só dia,
por um só de teus abraços.

Escapando à vigilância,
há, sempre, um grupo vadio
que escreve o poema da infância
nas águas mansas de um rio!

Mercadora de ilusões,
misteriosa e requintada,
a noite oferta emoções
sob uma colcha estrelada...
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3º lugar: CARLOS GUIMARÃES - Rio de Janeiro

A tua mão, que transforma
pesares meus em ventura,
é uma flor de estranha forma,
toda feita de ternura.

A poça d'água da rua
- igual a certas pessoas -
pensa, ao refletir a lua,
ser a maior das lagoas.

A vida, velha fiandeira,
meu destino, com certeza,
teceu de estranha maneira,
com fios só de tristeza.

Pelo milagre do amor
é que a mulher nos conduz,
transformando o espinho em flor,
das trevas fazendo luz!

Desfaz-se a flor, mas, no galho,
deixa em pétala singela,
uma lágrima de orvalho,
que a noite chorou por ela...

Destino inglório o da gente:
- correr atrás da ventura
para encontrar, finalmente,
uma cruz na sepultura.

De que vale essa postura,
joelhos presos ao chão,
corpo em doce curvatura,
mas, sem Deus no coração?

Eu sou feliz - bem ou mal -
crendo nas tuas promessas,
pois a Esperança, afinal,
é uma Saudade às avessas...

Medrou feliz a semente...
cresceu... floriu... depois disto
impôs-lhe a sorte inclemente,
servir de madeiro a Cristo...

Tudo acabou... Não mais juntos,
seguimos rumos diversos...
E eu te agradeço os assuntos
que deste para os meus versos...

Na rósea estrada do amor
que, junto de ti, eu trilho,
rendo graças ao favor
de seres mãe de meu filho!

Olho os meus dias futuros
com permanente ansiedade,
que a vida cobra altos juros
de um grão de felicidade...

Passos leves sobre a alfombra,
de roxa mágoa vestida,
a saudade é como sombra,
que acompanha a despedida.

Para ter felicidade,
talvez não fosse preciso
alcançar senão metade
daquilo que idealizo.

Passa o tempo e não regressas...
Teu desprezo me revolta:
- Ficaram só nas promessas,
tuas promessas de volta!

Partiste, mas, sem desgosto,
lembro a nossa história louca,
pois, na boca, tenho gosto
do gosto da tua boca.

Quem usa como remédio
a solidão, na verdade,
não cura os males do tédio
e aumenta a dora da saudade.

Sem ideal, fé perdida,
vou vivendo de tal sorte,
que se reduz minha vida
à longa espera da morte.

Regresso ao lar e ouço agora
- minha mãe, meu anjo bom -
os teus soluços de outrora,
repetidos noutro tom.

Taça plena de doçura,
tua boca apetecida
faz milagres de ternura,
nos beijos de despedida...
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4º lugar: CAROLINA RAMOS DE OLIVEIRA - Santos

Ao buscar-te como loucos,
fugindo à dor e à amargura,
poucos te encontram, bem poucos,
ó Terra Azul da Ventura!

Vivemos de uma esperança,
uma esperança fagueira
que de esperar não se cansa,
e nos rouba a vida inteira.

Teria o mundo outra sorte,
seria a guerra esquecida,
se as mãos que semeiam morte
semeassem amor e vida.

Cada instante não vivido
passa e não volta jamais...
a cada sonho perdido,
morremos um pouco mais.

A lua jogava estrelas
nas águas mansas do mar
e ao chamar-te para vê-las,
trouxeste estrelas no olhar!

Tu cantas e eu faço versos...
com vozes tão desiguais;
cigarra, em campos diversos,
vivemos gêmeos ideais!

Senhor, que só o bem procuras,
faze as pedras dos caminhos
mais suaves,menos duras,
por sob os pés dos ceguinhos.

Murcham vidas no abandono
e o destino sonhos trunca
quando o corpo encontra um dono
sem que a alma o encontre nunca.

Como alguém que se apaixona,
alguém que tem coração,
a minha mão se abandona
na concha da tua mão...

Nosso amor não tem medida,
vai crescendo sempre mais,
é ternura dividida
em duas partes iguais!

No Campo Santo o cipreste
é ponto de exclamação,
como se nada mais reste
que o pasmo da solidão!

Rusgas... silêncio... partiste...
mágoas... ciúmes... depois...
esta saudade tão triste,
tão triste quanto nós dois!

Ah! cousas que o poeta canta,
sem crer, talvez, no que diz...
e quanta mentira santa
faz a tantos mais feliz!

Saudosa, minha alma chora
nesta fria madrugada,
as madrugadas de outrora
em que eu sonhava acordada...

Um olhar mais demorado...
um sorriso... e, sem saber,
estarás matriculado
na escola do bem querer.

No jardim, pálidas rosas
desfalecem de desgosto
ao ver rosas mais formosas
nas covinhas do teu rosto.

Dá-nos a terra alimento,
cavando-nos de hora em hora,
mas, quando chega o momento,
com que gula nos devora!

Sonho - a base das conquistas,
ideal que empurra a gente
- é à custa dos fantasistas
que o mundo vai para a frente.

Dois destinos... duas vidas...
dois caminhos desiguais...
e, nossas almas unidas,
não se abandonam jamais!

Jamais zombes de um pecado,
terás da vida o que legas,
- talvez te seja negado
o perdão que agora negas.
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5º lugar: MARIA NASCIMENTO SANTOS - Rio de Janeiro

Quere-te muito eu fingia
e, hoje, a mentira findou.
- Vou rasgar a fantasia
para que vejas quem sou...

Primavera! Estão floridas
as plantas da minha rua,
e, no entanto, a muitas vidas,
o inverno ainda continua.

Este abandono profundo
que o destino nos impôs,
deixou claro que o teu mundo
já não comporta nós dois...

Embora sendo enganada,
na fantasia, contudo,
de um pedacinho de um nada,
eu, sonhando, crio tudo...

Quando amor eterno juro,
não promessa vã:
porque, em amor, o futuro
é hoje, e não amanhã!...

Só não fez milagre a prece
que eu fiz à Virgem da Sé,
porque Deus não reconhece
as rezas feitas sem fé!...

Constatei nossa amizade
quando, em tua despedida,
eu já sentia saudade
antes mesmo da partida!

Ateu é o infeliz que esquece
o bem que a crença nos faz:
pode um segundo de prece
trazer um ano de paz!

Não creio que Deus, que é santo,
e que é tão compreensivo,
pudesse conter o pranto
neste abandono em que eu vivo!

Se os que fazem mal a tantos
fossem por Deus perdoados,
o céu, no meio dos santos,
teria um Deus com pecados!...

O destino, sem razão,
vendo os meus dias risonhos,
pôs nuvens de solidão
e um por-de-sol nos meus sonhos.

Não fosse a felicidade
que cedo ou tarde se alcança,
não haveria saudade
nem vestígio de esperança.

Se não tenho outra saída
para mudar minha sorte,
fantasio a minha vida
enquanto não vem a morte.

Vens... Na paz do amor profundo
que trazes, penso, depois,
que as preces todas do mundo
são feitas para nós dois...

Pensando bem, fantasia,
nós somos bem desiguais:
- És a sombra da alegria,
e eu, do que é triste demais...

Vendo a escuridão dos campos
e a tristeza, a Mão Divina
pôs faróis nos pirilampos,
voz nas aves de campina!

Nem sequer por caridade,
quando passa à minha porta,
visita, a felicidade,
a minha esperança morta...

Neste abandono constante
vejo, em meus dias tristonhos,
que há semprte quarto miguante
na lunação dos meus sonhos.

Por vezes, volto à distância
dos anos, e aos outros narro,
que também fui mãe, na infância,
de bonequinhos de barro...

A tristeza que sentimos,
nossas ânsias, nossos ais,
existem porque pedimos
à vida, sempre demais...

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NOTA = esse material foi uma gentil contribuição do "Magnífico Trovador" IZO GOLDMAN, da UBT São Paulo/SP