Eu me Pergunto...

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(texto de José Fabiano, mineirim de Uberaba)

EU ME PERGUNTO...

     ... qual seria a reação de Voltaire (A Itália teve a Renascença e a Alemanha a Reforma; a França teve Voltaire, que representou para ela a Renascença, a Reforma e metade da Revolução...), se fosse hoje testemunha do Terremoto do Haiti, onde morreram talvez 200.000 pessoas, das mais miseráveis da face da Terra?  

VOLTAIRE E O TERREMOTO DE LISBOA, EM 1755 

Do pequeno livro A FILOSOFIA DE VOLTAIRE, de Will Durant.

     A perseguição e as desilusões haviam desgastado sua fé  na vida e suas experiências em Berlim e Francforte haviam embotado sua esperança. Mas tanto a fé  como a esperança sofreram mais quando, em novembro de 1755, chegou a notícia do terrível terremoto de Lisboa no qual haviam morrido 30 mil pessoas. O terremoto ocorrera no dia de Todos os Santos; as igrejas estavam cheias de fiéis e a morte encontrando seus inimigos em formação cerrada obtivera uma boa colheita. Voltaire ficou chocado e enraivecido ao saber que o clero francês estava explicando a catástrofe como um castigo pelos pecados dos habitantes de Lisboa. Escreveu então um poema apaixonado no qual expressa vigorosamente o velho dilema: Ou Deus pode evitar o mal e não o faz ou deseja evitá-lo e não pode. Não se satisfazia com a resposta de Spinoza de que bem e mal são palavras humanas, inaplicáveis ao universo e que nossas tragédias são acontecimentos triviais diante da eternidade.

Sou uma parte insignificante do grande todo.

É verdade; mas todos os animais condenados a viver,

Todas as criaturas sensíveis, nascidas sobre a mesma severa lei,

Sofrem como eu e como eu também vêm a morrer.

O abutre agarra-se à sua tímida presa

E fere com o bico sanguinário os membros trêmulos:

Tudo vai bem, assim parece, para ele. Mas pouco depois

Uma águia despedaça com suas garras o abutre;

A águia é trespassada pela seta do homem;

O homem, prostrado no pó dos campos de batalha,

Misturando na agonia o sangue ao dos semelhantes,

Passa a ser por sua vez alimento das aves famintas.

E assim o mundo inteiro geme em cada um dos membros:

Todos nascidos para o sofrimento e a morte mútua.

E com relação a este caos terrível direis

Os males de cada um fazem o bem de todos!

Que bem-aventurança! E quando, com voz trêmula,

Mortal e lastimosa proclamais: “Tudo vai bem,” 

O universo vos desmente e vosso coração   

Contradiz cem vezes o conceito de vossa mente.

Qual é o veredicto da Mente Suprema?

Silêncio: o livro do destino está fechado para nós.

O homem é um desconhecido para si próprio;

Não sabe de onde vem e nem para onde vai.

Átomos atormentados no leito de lama

Devorados pela morte, um escárnio do destino;

Mas átomos pensantes, cujos olhos de ampla visão,

Guiados pelo raciocínio, estudaram as estrelas,

Nosso ser confunde-se com o infinito;

A nós mesmos nunca chegamos a ver ou a conhecer.

Este mundo, este palco de orgulho e de erros,

Está  apinhado de tolos que falam em felicidade... 

Houve tempo em que cantei, em tom menos lúgubre,

As alegrias do império jovial dos prazeres;

Os tempos mudaram e, com a experiência da idade,

Participando da fragilidade do gênero humano,

Procurando uma luz por entre a escuridão crescente,

Posso apenas sofrer, porém não me lamentarei.  

     Alguns meses mais tarde foi deflagrada a Guerra dos Sete Anos; Voltaire considerava uma loucura e um suicídio a devastação da Europa para decidir se seria a França ou a Inglaterra que ficaria com alguns ‘alqueires de neve’ no Canadá. 

     Além disso veio a resposta pública de Jean-Jacques Rousseau ao poema sobre Lisboa.O homem mesmo é que era o culpado da catástrofe, disse Rousseau; se vivêssemos nos campos e não nas cidades, não seríamos mortos em tão grande escala; se morássemos sob o céu e não em casas, elas não cairiam em cima de nós.  

     Voltaire, admirado com a popularidade obtida por essa profunda teodicéia e irritado por seu nome ser arrastado no pó por um Quixote daquele quilate, dirigiu contra Rousseau a mais terrível de todas as armas intelectuais jamais manejadas pelo homem, a zombaria de Voltaire.  

     Em três dias, no ano de 1759, escreveu Candide.