A Quase Esotérica Arte de Declamar Poesia


A QUASE ESOTÉRICA ARTE DE DECLAMAR POESIA
 


            Declamar poesia. Esta é uma arte praticamente em extinção. A prática de declamar poesia extingue-se na razão inversamente proporcional ao cultivo da poesia em nosso país nos dias atuais. Muitos escrevem, mas poucos declamam.

 Lembro de quando conheci a Casa do Poeta "Lampião de Gás" de São Paulo em 1997 e, lá dentro, a inefável figura de Divenei Boseli, uma de minhas "madrinhas" na Trova. Lá, no aconchego quase espiritual da Casa do Poeta, tomei contato com esta grande Arte, infelizmente em vias de extinção. Naqueles tempos, a Casa do Poeta tinha em Adélia Victória e em Divenei suas maiores declamadoras.

         Mas, como disse, declamar está virando uma raridade. Por que isso acontece? Suponho algumas razões. Logicamente não é nada “científico”. Fruto de empirismo:

 Primeiro, declamar envolve a memorização de um poema. Este é o primeiro problema - a maioria das pessoas tem problemas com a memória. Ler um poema e memorizá-lo é, portanto, um primeiro entrave: o que fazer para memorizar um texto? Que técnica específica alguém deve utilizar? Ler o poema até a exaustão? Ler como? Leitura silenciosa? Leitura em voz alta? Ler é o suficiente? Ou será necessário copiar o poema em um caderno - por exemplo - várias vezes até visualizar sua estrutura e memorizar aos poucos as estrofes e os versos? Cada um é cada um e, independente do método que utilize, isso vai dar trabalho. E quem tem tempo para tanto trabalho?

 Segundo, que tipo de poema e de qual tamanho? Um poema metrificado é melhor de memorizar por causa das estrofes, dos versos regulares, da acentuação e das rimas? Ou isso é indiferente, e um poema moderno pode ser memorizado com o mesmo grau de dificuldade ou facilidade? Um poema de maior extensão pode ser memorizado em quanto tempo? A memória não pode trair o declamador na hora "H" e ele "engolir" algum verso ou trocar alguma palavra? E se ficar tenso? Um “branco” (ou “apagão”, como se diz nos dias de hoje) pode acontecer a qualquer instante...

 Terceiro, declamar um poema não exige certa medida de teatralidade? O declamador não precisa ter um pouquinho de ator no sangue? Declamar envolve sentimento - não é apenas "dizer de cor", mas recitar com sentimento. Para quem gosta de poesia, sentimento não é um problema em si. Mas como expressar sentimento sem ser sentimental ou piegas? Aliás, não seria esse um motivo para a extinção da arte de declamar poesia? Talvez as pessoas tenham receio de ser piegas, e é difícil encontrar esse equilíbrio - traduzir o sentimento poético sem exagero. E isso novamente aproxima a declamação das artes cênicas. Ou artes cínicas, dependendo de quem seja...

 Diante de tudo isto, coloquei o título "A quase esotérica arte de declamar poesia". Como aprender a declamar? Quem pode ensinar? Há como ensinar ou isto é um talento "inato", um "dom"?

 Eu, particularmente, sou muito ansioso ao falar em público. Falar usando papel é algo que me deixa aflito. Minhas mãos tremem segurando um papel. Por isso prefiro decorar um poema e dizê-lo em público. Mas reconheço que ainda não posso dizer que sou um "declamador", no pleno sentido do vocábulo. Estou "em construção". Como não frequento saraus, não falo poemas (meus e de outros) em público, acabo ficando enferrujado.

 No último sábado, 12 de dezembro, entretanto, tive o prazer de ir a um sarau na "Casa das Rosas", na Avenida Paulista. E, depois de muito tempo, voltei a declamar. Na dúvida, escolhi um lindo poema de Guilherme de Almeida, "Esta vida", que tenho decorado há muito tempo e declamei com relativo êxito. Notei que fui o único que “declamou”. Todos pegaram suas anotações e leram seus poemas. Tudo perfeitamente natural. Todos se saíram bem. Percebi, entretanto, que alguns presentes olharam para mim demonstrando surpresa e contentamento. Senti que agradei e que o poema agradou mais ainda...

 Falando em declamação de poesia, devo aproveitar o momento para reverenciar aquela que me fez tomar gosto por isto e que é a melhor declamadora que conheço - DIVENEI BOSELI, minha melhor amiga e uma das minhas "madrinhas" na Trova. Tive o prazer de ver Divenei Boseli declamar em reuniões da Casa do Poeta e em outras oportunidades. Lindamente, como sempre. O carro-chefe de Divenei é o belíssimo "Cântico Negro", de José Régio - poeta português.

 Ressalvo que, graças à Divenei, além de fazer Trovas e associar-me à UBT, me interessei por declamar poesia. Decorei o poema do Guilherme de Almeida a que me referi há pouco e decorei até o Cântico Negro também! Apesar de ser uma arte quase esotérica, que exige certa medida de "iniciação", vale a pena - a poesia se torna não só um hobby, mas uma fonte de estudo, de exercício da memória e do raciocínio... Às vezes me pego dizendo poemas sem razão aparente... E a poesia vai tomando conta de minha vida...

(Abro parênteses para lembrar alguém que declamava muito bem e que, mesmo com a idade avançada, era dono de uma memória invejável: José Maria Machado de Araújo, que era um declamador maravilhoso. Quem não se lembra dele declamando no ônibus que levava os trovadores do Rio a Nova Friburgo nos Jogos Florais? Minha Saudade!)

        Acho um tema interessante para nós, trovadores da UBT, pensarmos um pouco. Já que vivemos imersos em poesia, por que não exercitar a arte da declamação para que ela não desapareça? Talvez seja uma maneira indireta de trabalhar pela Trova. Por que não? Quando declamamos poesia, as pessoas se aproximam de nós com curiosidade, querendo fazer amizade, trocar ideias... Excelente oportunidade para divulgarmos a Trova e a UBT... Por que não...?

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NOTA: O Professor Pedro Mello, 31 anos, é um dos jovens talentos da Trova brasileira, além de um de seus mais ardorosos amantes.