Ainda Orlando Brito (III)

TROVADORES BRASILEIROS DA ATUALIDADE - AINDA ORLANDO BRITO...

PARTE III 

Nestas minhas homenagens ao nosso querido Orlando Brito, não posso deixar de incluir a entrevista dada a TROVAS&CANTIGAS, O Jornal da Trova, daqui de Belo Horizonte, ANO III, de SETEMBRO/OUTUBRO DE 1999 / Nº 9, editado por Antônio Couri, da UBT/Belo Horizonte. Como sempre acontece, TROVAS&CANTIGAS, infelizmente, morreu por falta de recursos... Onde você está, querido Antônio Couri? Quanta saudade!... 

(Digitado e formatado por Marina Fernandes Nunes) 

“Entrevista com Orlando Brito 

Orlando Brito nasceu em Niterói, RJ. Poeta e prosador, dedicou-se especialmente à Trova, gênero literário no qual se tornou uma das maiores expressões no Brasil. Publicou inúmeros livros, entre os quais ‘Lua de Sonho’, ‘Cantigas de Ninar Tristezas’, ‘Viola de Marinheiro’, ‘Cantigas do Céu e da Terra’, ‘Esta vida é uma Graça’, ‘Sonetos’ e vários outros na linha de cordel. Na área educativa publicou, em 1986, ‘Normas de Prevenção de Acidentes do Trabalho’, um livreto todo em versos. Reside em São Luis, Maranhão, cidade que foi por ele homenageada em seu livro ‘Ruas de São Luis’ e onde exerce a função de gerente de vendas de uma empresa maranhense. 

T&C – Como a Trova ‘entrou’ na sua vida?

OB –  Tudo começou na Biblioteca Pública de São Paulo, nos idos de 1950, quando me veio às mãos um livro do poeta português Antônio Correia de Oliveira, quase todo em redondilhas maiores. Impressionado com a descoberta, li e reli o livro, anotando algumas estrofes, principalmente aquela que me abriu o caminho para o mundo das trovas: 

Sino, coração da aldeia.
 Coração, sino da gente.
Um a sentir quando bate,
outro a bater quando sente.
 

Tinha, diante de mim, um retrato da religiosa alma lusitana, em versos que pareciam unir o céu e a terra num pedaço do chão português. Eu já  vinha ensaiando alguns sonetos, sob a influência de Camões, Bocage, Bilac, Antero de Quental e outros. Daí  para a trova, foi um instante. Sete anos depois, conheci Luiz Otávio no Rio de Janeiro, que foi o padrinho do meu casamento definitivo com a trova. 

T&C – No início você recebeu influência de algum trovador em particular?

OB –  Além de Correa de Oliveira e Luiz Otávio, fui conhecendo outros trovadores, e deles procurei tirar o melhor: Belmiro Braga, Lilinha Fernandes, Antônio Sales, Djalma Andrade, Gentil Fernando de Castro, Soares da Cunha, Américo Falcão, Bastos Tigre, Junquilho Lourival, entre outros. Todos eles influíram na formação do meu jeito de trovar. Lembro aqui o nome de um poeta jornalista e escritor mineiro, que me incentivou e divulgou muito os bons trovadores: Jorge Azevedo. Quem ainda não leu, procure conhecer seus livros ‘Eles Deixaram Saudade’ e ‘Caderno de Lembranças’. 

T&C – O que para você é mais importante numa trova?

OB –  Acima de tudo o conceito, sua originalidade, que muitos chamam de ‘achado’. Tudo dentro da forma clássica da trova, de preferência com rimas intercaladas. Todavia, muitas vezes, a originalidade suplanta a falta de rimas nos quatro versos, e ainda assim a trova não perde a sua beleza, como neste exemplo de Otávio Babo Filho: 

   Se toda gente soubesse
    como custa querer bem,
quanta gente gostaria
       de não gostar de ninguém.
 

Como já  afirmou um dos melhores trovadores da atualidade, Waldir Neves, ‘a fuga ao lugar comum, aos chavões, é condição imperiosa’. Infelizmente, isto vem acontecendo muito nas trovas para concursos, principalmente com as trovas humorísticas, quando os autores exploram piadas conhecidas e surradas, caindo nos lugares comuns condenados pelo poeta. 

T&C – De todas as suas trovas, qual a sua predileta?

OB – Tal como acontece com os leitores, e também com os colegas trovadores, a predileção por uma trova pode mudar: hoje esta, amanhã  aquela, conforme nosso estado de espírito. Mas tenho uma trova antiga, pouco citada, que revela bem minha personalidade, e é uma das minhas preferidas: 

Ser folhagem trepadeira
nos ombros dos mais felizes?
Antes ser grama rasteira,
viver das próprias raízes.
 

Luiz Otávio me disse, certa vez, que gostava muito desta: 

Até  num erro há nobreza
se com teu pranto o reparas.
Mesmo a lama tem beleza
no fundo das águas claras.
 

Eu não posso deixar de citar aquela que, hoje, vem merecendo a citação dos leitores: 

Com pena por vê-lo morto,
a borboleta, piedosa,
simulou no galho torto
duas pétalas de rosa.
 

T&C – Em meio a tantas centenas de trovas, há muitas que se destacam pela beleza e originalidade com que abordam o tema. Sob esse aspecto, qual a trova (de outro trovador) que você considera um espécie de ‘obra-prima’?

OB – Como já disse, a trova que mais gostamos hoje pode não ser a mesma amanhã. Isto acontece não só com nossas trovas, mas também com trovas de outros poetas, o que mostra a força, a grandeza dessa pequenina composição de quatro versos, cujos méritos se alternam – diminuem hoje, crescem amanhã, de leitor para leitor. Atualmente, com a crescente onda de protestos que se espalha em todas as regiões, retiro do acervo de Colbert Rangel Coelho uma trova antológica, que revela bem o momento brasileiro: 

O morro inteiro se agita
quando o operário modesto
transforma sua marmita
num tamborim de protesto.
 

T&C – Na sua carreira trovista aconteceu algum fato pitoresco que mereça ser lembrado?

OB –  Não sei se posso chamá-lo de pitoresco, mas foi um fato ligado à trova que mudou o rumo da minha vida. Em 1975 fui obrigado, por motivos familiares, a me transferir de Pindamonhangaba, São Paulo, para São Luiz, no Maranhão. Aqui, dias depois da minha chegada, soube que estava na cidade o coronel Elton de Carvalho, que viera, através da Escola Superior de Guerra, dar uma aula aos empresários maranhenses. Encontramo-nos no hotel e de lá fomos, numa manhã de domingo, visitar as praias maranhenses. Numa dessas praias, chamada Araçagi, fomos dar na residência de Luiz Porto, titular de uma grande fábrica local. Elton de Carvalho tirou a farda e empunhou a lira de trovador, e em poucos instantes, diante de vários convidados do empresário, declamamos dezenas de trovas, nossas e de outros, ganhando aplausos e vivas da platéia. Finalizamos o recital com trovas humorísticas e acabamos por ganhar a simpatia de todos e a admiração do anfitrião, o qual nos confessou (veja a coincidência) ser fã de Luiz Otávio, do qual colecionava as trovas inseridas na revista Alterosa, de Belo Horizonte. Nesse tempo, ele era noivo no Rio de Janeiro, e em homenagem ao poeta, deu o nome de Luiz Otávio ao seu primeiro filho, hoje médico importante na Inglaterra. Finalizando: depois desse encontro e do recital de trovas, com a ajuda do Elton, fui convidado para trabalhar na fábrica dirigida por aquele empresário, Luiz Porto, na qual fiquei durante 23 anos como gerente de vendas. Contando este fato quero homenagear o grande trovador Elton Carvalho, meu grande e inesquecível amigo, já falecido, e também a Luiz Otávio, criador do movimento que une atualmente trovadores daqui e de outros países, aos quais serei sempre grato por tudo o que fizeram por mim, direta ou indiretamente. 

T&C – Como você tem visto os concursos e jogos florais?

OB –  Graças aos jogos florais e aos concursos de trovas, temos hoje trovadores do nível de Waldir Neves, José Maria Machado de Araújo, Eno Teodoro Wanke (a maior autoridade no momento sobre trovas e trovadores). Tivemos um Aparício Fernandes, um Carlos Guimarães e temos o grupo de trovadores de Pouso Alegre, de Juiz de Fora, a força do grupo de São Paulo e de outras cidades, como minha querida Pindamonhangaba, onde desponta o trabalho extraordinário de José Valdez de Castro. E não posso me esquecer de nomes como os de Milton Nunes Loureiro, Antônio Carlos Teixeira Pinto, Edmar Japiassú Maia, Ney Damasceno, Lavínio Gomes de Almeida, Sérgio Bernardo, Rodolpho Abbud, Carolina Ramos, Aloísio Alves da Costa, Miguel Russowsky e outros tantos grandes trovadores, que despertam, com suas trovas, os melhores sentimentos do coração humano. 

T&C – Como você vê a trova humorística?

OB – Os diversos concursos abriram caminho largo para as humorísticas, mas bem poucas mereceram o título de ‘trova’. É um gênero difícil, o que leva muitos autores a cair na armadilha do lugar comum. A boa trova humorística tem que ser original, inteligente, sutil, como esta do português Antônio Aleixo: 

Sei que pareço ladrão.
Mas há muitos que conheço
que, sem parecer o que são,
são aquilo que eu pareço.
 

T&C – Existe alguma ‘receita’ para ser um bom trovador?

OB – Não há ‘receita’, pois, conforme diz o povo, ‘o que é bom já nasce feito’. Fazer poesia é uma coisa, pode-se aprender nas escolas. Ser poeta é outra coisa, é um dom que nas escolas e através da leitura dos mestres, pode-se aprimorar, buscando sempre a perfeição. Paciência e humildade ajudam muito, e que não se deve levar, o bom trovador, pelos concursos em série, que acabam se transformando em verdadeiras fábricas de fazer quadrinhas...  Participar, prestigiar os concursos, mas sem prostituir a trova. Se não tem nada de bom para mandar, o melhor é não concorrer...” (Destaque meu, o Fabiano) 
 

Postado em 13.09.2010 por José Fabiano (Colunas & Colunistas - www.falandodetrova.com.br)