Adauto Gondim - Ceará

Adaucto Soares Gondim nasceu no Sítio Andreza, a 12 quilômetros de Pedra Branca, sobre a Serra de Santa Rita, na parte central do Ceará, no dia- 17 de janeiro de 1915. Filho de José Soares Godinho e Nasária Soares de Nazaré. Faleceu em Fortaleza, a 12 de setembro de 1980. 

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(Livro "Meus Irmãos, os Trovadores, trova nº 19)
Saudade - alívio das dores,
e dentro d'alma se estampa
como um canteiro de flores
plantado sobre uma campa!

 

Nem sempre a face do espelho
mostra exato as dimensões,
há quem dê o bom conselho
com segundas intenções.

(Livro "Meus Irmãos, os Trovadores, trova nº 1998)
Teu olhar sereno e terno
sobre os meus olhos pousou,
qual chuva de fim de inverno
num campo que já secou!

Eu gosto de ver Maria
a se banhar na lagoa,
qual uma garça bravia
que se vê a gente, voa.

     No meio de uma festa de casamento, sabendo das suas qualidades de trovador, começaram a insistir para que dissesse uma trova dedicada aos noivos. Tanto foi a insistências que Adauto saiu-se com esta:

Lá vem os noivos chegando...
Assisto a festa... E, depois,
fico, invejoso, pensando
na festa só deles dois...

Vi teus braços... que ventura!
Teu colo... as pernas... que gosto!
Agora, tira a pintura,
que eu quero ver o teu rosto.

Mulheres que estão me olhando,
pensando no mesmo assunto,
são como freiras rezando
na intenção de um só defunto.

No teu jardim, entre flores,
feliz estou ao teu lado
meu calendário de dores
hoje marcou feriado.

Amor que passou - rosário
de saudade e de ilusão,
folhinha de calendário
que a gente atira no chão.

A dor que minha alma corta
de maneira aguda e infinda,
é ter-te à conta de morta
sabendo que és viva ainda.

Destaco a minha folhinha
quando o sol nascendo vem:
o calendário da vida
mais um dia a menos tem...

De quem favores te pede
nunca procures fugir;
- só sabe a dor de quem pede
quem precisa e vai pedir.

(Livro "Meus Irmãos, os Trovadores, trova nº 1113)
No cofre do pensamento
tranquei a minha paixão
e a chave, por meu tormento,
foi cair na tua mão...

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Coleção “Trovadores Brasileiros”
Organização de Luiz Otávio e
J.G. de Araujo Jorge
 

100 (que são 102) Trovas de Adauto Gondim
* * *
n.01                                                     n.02
Da trova fiz o meu pão              De meus idílios, o fado
minha cantiga inocente,            me traz em triste labor:
a voz do meu coração              quanto mais sou desprezado
e o sentir da minha gente.         mais aumenta o meu amor
 

n.03                                                     n.04
Prometo dar-te um milhão         Vendo-te assim tão formosa,
de beijos, se me disseres          de porte esbelto e sereno
quem tem o meu coração         para intrigar uma rosa
que perdi entre as mulheres.     chamei-te cravo moreno.
 

n.05                                                     n.06
Nosso amor, que se renova,     Da distância em que me vejo
aumenta em tal proporção        quero ir pelos espaços
que não cabe numa trova         voando para o teu beijo,
nem dentro do coração             fugindo para os teus braços
 

n.07                                                     n.08
Saudades - alívio das dores      Parece uma coisa louca:
e dentro da alma se estampa    para aumentar meu desejo
qual um canteiro de flores         eu vejo que tua boca
plantado sobre uma campa       Deus fez em forma de beijo.
 

n.09                                                     n.10
Vi teus braços...que ventura!        — Na noite de núpcias. O Gama
teu colo... as pernas... que gosto!     encontra a esposa envolvida
Agora, tira a pintura,                        num lindo roupão e exclama:
Que eu quero ver o teu rosto.       — Posso, enfim, ver-te vestida!
 

n.09-B                                                     n.10-B
Quem tiver a alma doente         Penso em ti de olhos fechados
não fuja deste caminho:            e o pensamento aprofundo:
recorde a mulher ausente         ah! se eu tivesse ao teu lado
faça trova e tome vinho.           para glória do meu mundo!

n.11                                                     n.12
Sobre minha enfermidade         No teu jardim, entre flores,
disse o doutor, com razão;        feliz estou ao teu lado
é o germe de uma saudade      meu calendário de dores
destruindo o coração.               hoje marcou feriado.
n.13                                                     n.14
Rico de amor como eu              Mulheres que estão me olhando
não há quem possa igualar,      pensando no mesmo assunto,
e o muito que Deus me deu      são como freiras rezando
é pouco para te dar.                 na intenção de um só defunto.
 

n.41                                                     n.42
Eu gosto de ver Maria               Fui à missa e rezei muito,
a se banhar na lagoa,               depois de haver comungado,
qual uma garça bravia               deixei a igreja e encontrei-te:
que se enxerga a gente, voa.    nem Deus evita o pecado.
 

n.15                                                     n.16
Deus pensou em nós. Primeiro  Adoro a treva ao açoite
para esculpir nosso amor,         do vento que não tem dono:
deu-me uma alma de troveiro    Deus fez o escuro da noite
deu-te a ternura de uma flor.     para a carícia do sono.
 

n.17                                                     n.18
Não sei de maior pecado:         Quando os raios prateados
não sou santo e, como tal,        do luar beijam a noite,
vi meu retrato guardado                        pede a saudade pernoite
dentro do teu manual.               nos corações namorados.
 

n.19                                                     n.20
Meu coração triste e frio,          No silêncio da avenida,
sofrendo sempre em segredo,   passeando pela alfombra,
faz lembrar ninho vazio                         um casal desenha a sombra
na solidão do arvoredo.             do destino de outra vida.
 

n.21                                                     n.22
Amor que passou - rosário        Eu quando tiver certeza
de saudade e de ilusão,            que meu bem já não me quer,
folhinha de calendário               irei matar a tristeza
que a gente atira no chão.        nos braços de outra mulher.
 

n.23                                                     n.24
Meu coração, se a esperança   Amor perfeito suponho
dentro dele se renova,              se houvesse seria assim:
se alegra qual a criança            ela dentro do meu sonho,
que veste uma roupa nova.       seu sonho dentro de mim.
 

n.25                                                     n.26
De feia, se alguém te chama     Não te valeu Santo Antonio,
nunca diz porque razão             teu santo casamenteiro
à feia, que sente e ama,           recorre agora ao demônio
Deus também deu coração.      procura um catimbozeiro.
 

n.27                                                     n.28
Inverno, a terra se veste                Inda recordo, querida,
de flores em profusão,                   foi numa noite de lua,
somente a minha alma agreste      te beijei e a minha vida
vive em terno verão.                      se misturou com a tua.
 

n.29                                                     n.30
Maria, quando eu morrer,         Só porque vivo te amando,
se Jesus me condenar,                         pelo bem que tu me querer,
deve também se perder            eu sei que vivem chorando,
quem tanto me fez pecar.         com inveja, outras mulheres.
 

n.31                                                     n.32
Trouxe o tempo radiosa            O tempo com paciência,
nova aurora à tua sina:                         roubou meu sonho de Fada,
botão transformando em rosa,  levou minha adolescência
hoje moça, ontem menina.        e envelheceu minha amada.
 

n.33                                                     n.34
Meu destino de troveiro            Minha vida é uma balança
foi o lar que Deus me deu,        pesando, com igualdade,
minha filha e um jasmineiro       a tua eterna lembrança
plantado num chão que é meu. e a dor da minha saudade.
 

n.35                                                     n.36
A dor que minha alma corta      As trovas que estou compondo,
de maneira aguda e infinda,      com a mais ardente emoção,
é ter-te à conta de morta          são aves que vão deixando
sabendo que és viva ainda.       o ninho do coração
 

n.37                                                     n.38
Eu sei da dor que sacode          As tuas faces de santa
tua lama louca de amar,           têm encanto de arrebol
mas sei também que se pode   e eu sou o galo que canta
fazer essa dor passar.              saudando a ti que és meu sol.
 

n.39                                                     n.40
Tu me negaste carinhos,           Dá de graça o que recebes
fugindo dos meus amores:        de graça se diz, em suma,
planta velha, com espinhos,      e o que te peço e me negas
morre despida de flores.           não te custou coisa alguma.
 

n.43                                                     n.44
Nunca me chames de ingrato    Para quem tem coração
porque com outra casei:           sofrendo por seus amores,
podia eu, metal barato,                         foi que se fez violão
dar liga a ouro de lei?               e o canto dos trovadores.

n.45                                                     n.46
Quando sobre a natureza         Na minha cova - meu leito
cai a noite escura e calma,        eterno - por caridade
é como o véu da tristeza           ninguém plante amor perfeito,
descendo sobre minha alma.     dou preferência à saudade.

n.47                                                     n.48
Na história da minha vida          A trova é gemido brando,
nunca mais falei em dores        breve cantiga inocente,
depois que te vi, querida,          que dizemos suspirando,
na estrada dos meus amores.   pensando na amada ausente.

n.49                                                     n.50
Longe de ti, com certeza,          Quando te vejo passando
não suporto a soledade...          com teu porte de rainha,
Sei que morro de tristeza          eu suspiro, relembrando
e que me acabo em saudade.   o tempo em que foste minha.

n.51                                                     n.52
Vem a saudade e, num instante,           É verdade que não queres
minha alma triste procura                     entender a minha dor,
como um luar deslumbrante                  e eu sei de muitas mulheres
invadindo a noite escura.                      que morrem por meu amor.

n.53                                                                                  n.54
Guarda a lembrança em meu peito                    Está tão lindo o luar!
de extinta felicidade                                       E eu trouxe o meu violão...
se existisse amor perfeito                              Acorda que vou cantar,
como seria a saudade?                                 vem ouvir meu coração!

n.55                                                     n.56
Ao pecador abençoa,                Nem sempre a face do espelho
curar seus males procura:         mostra exato as dimensões:
vê que a graça também voa      há quem dê o bom conselho
por cima da lama impura.          com segundas intenções.

n.57                                                     n.58
Meu amor em ti não medra,      Tua promessa dourada,
quem procura teus carinhos      que me fizeste à partida,
atira flores em pedra                 é promissória assinada,
dá beijos para os espinhos.       sem endosso e já vencida.

n.59                                                     n.60
Meu coração delirante              Nas minhas faces desnudas
muitas mulheres amou              eu recebi, com pavor,
e, embora tão inconstante,        teu beijo como o de Judas
perto de ti sossegou.                vendendo Nosso Senhor.

n.61                                                     n.62
No cofre do pensamento           De quem favores te pede
tranquei a minha paixão,           nunca procuras fugir:
e a chave, por meu tormento,   só sabe a dor de quem pede
foi cair na tua mão.                   quem precisa e vai pedir.

n.63                                                     n.64
“Não mais te tenho amizade”    Da minha vida mesquinha
Mandei-te, um dia, dizer.          suporto as dores cantando,
Mas só Deus sabe a saudade   pois minha mãe - coitadinha -
que sinto por não te ver...         não pode me ver chorando.

n.65                                                     n.66
Por mais que ocultes e prendas    Meu coração sem carinho
eu sei que trazes, formosa,          de teu amor, que tormento!
nos seios, por entre rendas,         É qual se fosse um moinho
dois lindos botões de rosa...         parando à falta de vento.

n.67                                                     n.68
Do amor que trago na mente    Destaco a minha folhinha
confesso que nada espero:       quando o sol nascendo vem:
- Ela não diz o que sente,         o calendário da vida
nem eu lhe digo o que quero...  mais um dia a menos tem...

n.69                                                     n.70
Lá vem os noivos chegando...   Quem nega Deus, dá profundo
Assisto a festa... E, depois,       mergulho da alma na treva
fico, invejoso, pensando            e, ao morrer, deixando o mundo,
na festa só deles dois...            qual a esperança que leva?...

n.71                                                     n.72
Procura fazer o bem,                Dos negros pecados teus,
que é fonte das harmonias,       que Satã fez seu tesouro,
não faças nunca a ninguém      tu pedes perdão a Deus
o mal que tu não querias.          através de um terço de ouro.

n.73                                                     n.74
Blusa verde, saia rubra,            Teus olhos que já entendem
no teu corpo de criança:           a minha ardente paixão,
o rubro é meu desespero          são olhos que me suspendem
o verde a minha esperança.      um palmo acima do chão.
n.75                                                     n.76
Dou-te a prova, como queres,   Teu coração, já tristonho,
do meu grande amor, querida:  vive num sono profundo:
entre as mais lindas mulheres   desperta! dou-te o meu sonho,
foste minha preferida...                         vamos fazer outro mundo.

n.77                                                     n.78
Vou beirando um precipício       Teu olhar sereno e terno
quando recebo os teus beijos:   sobre os meus olhos pousou,
sinto em tua boca o início         qual chuva de fim de inverno
do fogo dos meus desejos.       num campo que já secou.

n.79                                                     n.80
Ela diz a toda gente                  Vibrando as cordas do pinho,
que me adora e me quer bem,  tu pedes para eu cantar:
mas, o que meu peito sente      só canto se tomar vinho
nunca direi a ninguém.              e se a noite for de luar...

n.81                                                     n.82
Minha alma a tristeza invade,    Saudade - é tarde a findar,
quando a tarde vai no fim,         é amor que se acabou,
e eu fico a sentir saudade         é desejo de voltar
de quem não sente de mim.      ao tempo que já passou.

n.83                                                     n.84
Como a nuvem que no espaço  Quando deixei minha terra,
em fumaça se desfaz,              em noite de lua cheia,
são os castelos que faço,          trouxe saudades da serra,
são meus sonhos de rapaz.      da gente de minha aldeia...
n.85                                                     n.86
Como a ventura estou vendo    Saudade - doce lembrança
ser também teu coração:          terna visão do passado,
só passa por mim correndo,      retalhos de uma esperança
nunca me deu atenção!            num coração desgraçado.

n.87                                                     n.88
Não há no mundo conforto        Quem tiver amor desfeito
que a gente possa levar            fique, ao luar, violão,
à mãe que vive a chorar           que as mágoas fogem do peito
a falta do filho morto.                e as dores do coração.

n.89                                                     n.90
Quando eu quero transformar   Aos pés de Nosso Senhor
minha vida em paraíso              eu sei que rezas, enfim,
busco a luz de teu olhar            pedindo por nosso amor,
e o encanto de teu sorriso         rogando só para mim.

n.91                                                     n.92
Já cantei a imagem tua                         Teu beijo dado com gosto
em trovas cheias de amor:        na febre desta paixão,
nasci em noite de lua,               tem calor do sol de agosto
por isso sou trovador.               nas várzeas do meu sertão.

n.93                                                     n.94
Ao ver-te deu-se um milagre,    Do nosso amor a bonança
minha alegria é sem fim,           terminou, nada mais resta
foi-se a noite e hoje se abre      senão a triste lembrança
novo sol dentro de mim.            que vivo a sentir da festa.

n.95                                                     n.96
Ao som da minha guitarra         A trova que, suspirando,
peço a Deus o teu carinho,       ao por do sol escrevi,
ter coração de cigarra               é trova que fiz pensando
e a vida de um passarinho.       nuns olhos que não mais vi.

n.97                                                     n.98
Quando sinto o teu perfume      O fio d´água correndo
de amores fico perdido,            do cume ao sopé da serra
a ponto de ter ciúme                 é o leite que está descendo
(santo Deus!) do teu marido.     dos seios virgens da terra.

n.99                                                     n.100
Não há quem pague inocente.   Quando a tarde triste e fria
A dor tem sua razão.                cai sob um céu nevoento
Portanto sê paciente                 costumo chamar meu dia
e espere a compensação          de saudade e de tormento...

 

in
Coleção “Trovadores Brasileiros”
Organização de Luiz Otávio e
J.G. de Araujo Jorge
Editora Vecchi – 1959