08 - CEM TROVAS POPULARES

A POESIA POPULAR

Coleção “Trovadores Brasileiros”
Organização de Luiz Otávio e J. G. de Araújo Jorge (extraído do site www.jgaraujo.com.br)
                                                           

                                            J.G. de Araujo Jorge
* * *

Somos felizmente um povo inteligente e de grande sensibilidade. Se querem um exemplo da inteligência do povo brasileiro, de sua filosofia, do seu senso de humor, procurem observar as frases que comumente se encontram escritas nos parachoques ou na própria carroceria dos caminhões que trafegam pelas estradas.
São de uma graça e de uma acuidade, às vezes profundas, em sua simplicidade. Sozinhos, viajando durante dias, longe do lar e de seus amores, os motoristas de caminhões são como os marinheiros. Mas a permanente presença da terra, tira-lhes á saudade aquele tom de grande lirismo do homem do mar, realmente desligado de tudo, cercado de silêncios e
e horizontes. E espouca em seus espíritos a sátira, a alegria boemia dos que fazem a vida de aventuras, em prazeres de cada momento.
Já pensei em comprar um caderninho para anotar as frases que leio nos parachoques dos caminhões. Tenho a convicção de que acabaria por ter um verdadeiro retrato do espírito popular, um verdadeiro "compêndio" dessa filosofia de vida, tão interessante e cheia de sutilezas, do homem da rua.
Uma das trovinhas que compõem o meu "Cantigas de Menino Grande" eu a fiz, aproveitando
 um pensamento de uma dessas frases que vi num caminhão, quando dirigia meu carro rumo a Friburgo. Dizia o seguinte
"Eu dirijo, Deus conduz".

Nada mais, simples e profundo. E pensando no que acabara de ler fui arrumando mentalmente
os outros versos, já que o pensamento vinha num verso de sete sílabas. No meio da serra a quadrinha estava pronta:

"No meu carro vou tranqüilo
tenha a estrada sombra ou luz,
pois bem sei que ao dirigi-lo:
- eu dirijo, Deus conduz.

Numa crônica que preparei para volumes anteriores desta coleção, afirmei:
"Do mesmo modo que os provérbios e adágios representam o pensamento do povo que se vai cristalizando através do tempo, as trovas, são a sua alma. E os poetas, tocados pela "graça"
das trovas, os intérpretes dessa alma."

O povo fala em versos, sem sentir e, instintivamente, nos seus provérbios e sentenças, procura a rima, que é um elemento oral de enfeite e de memorização mais fácil. Observem os provérbios. este, por exemplo, bem conhecido:

"Água mole em pedra dura
tanto bate até que fura."

Dois. versos de sete sílabas, rimando.

E este outro:
"Ha sempre um chinelo velho
Pra um pé doente e cansado."

Glosei, também, numa trova:
O tal ditado é um conselho,
não te mostres desolado...
"Ha sempre um chinelo velho
Pra um pé doente e cansado..."

Nem tal fato é de se estranhar, quando sabemos que as línguas neolatinas esgalharam-se do tronco secular do velho latim, na língua poética, dos trovadores medievais, nas suas cantigas.
Sobre trovas populares e anônimas, escrevi, na crônica citada :
"Uma trova, (ou como a chamam também, uma quadrinha) é tanto mais expressiva quanto maior o grau de fidelidade ou de identidade do poeta com o sentimento popular. Cai então, pode-se dizer, no gosto do povo, que a recolhe, decora e divulga, e sua expansão se faz de modo permanente, extenso e profundo.
Seu processo de popularização é tamanho, que ela acaba desgarrada de quem a criou, filha de ninguém. Ou melhor: lhe arranjam um pai, lhe atribuem uma paternidade, ou várias, o que vem a ser a mesma coisa. É uma trova anônima.
Glória efêmero e paradoxal. No momento mesmo em que a atinge, o trovador a perde. E são quase sempre, as maiores trovas, aquelas que acabam no anonimato, emaranhadas em meio a dúvidas e suposições. Tratando-se de pequenas composições poéticas, facilmente reproduzíveis, acontece com as publicações o mesmo que se dá com a difusão oral. Jornais e revistas de toda a parte, álbuns e cadernos de poesia as divulgam com autores diversos, tornando cada vez mais difícil a identificação, e mais penosa a pesquisa."

"A Ilíada" e a "Odisséia", memorizadas durante séculos pelo povo grego, e mandadas escrever por Psístrato, guardaram a glória de Homero, ainda que lendária, intacta. Eram grandes poemas. Mas as pequeninas trovas, estilhaçam qualquer glória, e torna-se impossível identificar através dos tempos, os nomes dos seus verdadeiros autores, quando elas caem “na boca do povo”
* * *
Mas, trovas populares e anônimas, não são apenas as trovas "eruditas" dos grandes poetas, as trovas literárias, que um dia se perdem no rio da grande popularidade, afogando seus autores. São também as trovas rústicas e imperfeitas que nascem da alma do povo, na boca dos cantadores, dos violeiros, dos sanfoneiros, dos poetas populares anônimos que enxameiam pelo interior do Brasil e de Portugal.
Verdadeiros filões de ouro de nossa sensibilidade e de nosso espírito.
Na sua obra, farto acervo de folclore e poesia, "Mil quadras brasileiras",
( "Mil quadras populares brasileiras" (Contribuição ao folclore). Recolhidas e prefaciadas por Carlos Góis. (Catedrático do Ginásio Mineiro, membro da Academia mineira de Letras). F. Briguet & Cia., Editora. Rio de Janeiro. 1916).
Caros Góis observa:

“É no interior do país, longe do bulício convencional e cerimonioso das grandes cidades,
onde mais intensamente floresce a poesia popular.
Quem se internar no sertão do Brasil, verá, na razão direta da distância dos grandes
centros populosos, a expandir-se a alma do povo em expressões rítmicas de um cunho espontâneo, subitâneo, flagrante. Só quem como nós já assistiu de viso, aos descantes ao som da viola e do violão, poderá aquilatar do grau de fluência e espontaneidade que jorra da musa popular".

Ainda recentemente, aqui no Rio, tive a oportunidade de conhecer os irmãos Batista, (Otacílio e Dimas), exímios cantadores e improvisadores do Nordeste (de Campina Grande), e outros violeiros e repentistas, alagoanos e baianos. Durante horas, com seus violões ao peito, lançam-se reciprocamente desafios, e os versos vão brotando em catadupas, com uma espantosa facilidade, ricos de verve e imaginação.

Rodolfo Cavalcanti, que é, na Bahia, o Presidente do Grêmio Brasileiro de Trovadores, é um poeta popular típico do Norte. Homens simples, emotivos, sem quase instrução, com uma poesia fácil e "bem falante", compõe longos poemas a propósito de tudo. Publica-os em folhetos que ele mesmo vende nas ruas de Salvador. E vive disto, como verdadeiro trovador de seu tempo.
Já se começa a dar valor também a essa manifestação literária do povo brasileiro.
Os próprios críticos de gabinete, desligados até agora das raízes de nossa formação literária voltam-se para o estudo e a observação de extraordinário manancial de riquezas. O atual surto de trovadores, verdadeiro movimento ,de incentivo à poesia popular, obriga-os a reconsiderarem suas atitudes puramente intelectuais, e a perceberem o que há de autêntico e real nessa manifestação -de nossa sensibilidade e de nossa cultura.
Não foi sem razão, que defini:

Ó trovador: professor
de poesia popular!
Com suas trovas de amor
o povo aprende a cantar!

* * *
Os méritos da publicação deste volume de trovas populares ( anônimas) se devem a
Luiz Otávio, em seu trabalho de pesquisa verdadeiramente beneditino, em favor da trova.
Ao seu trabalho, me associei de espírito e coração.
Este trabalho é apenas um punhado de 100 trovas apanhadas por Luiz Otávio entre milhares de trovas populares (portuguesas e brasileiras) que já conseguiu recolher.
Uma amostra, portanto, valiosa, do cancioneiro popular do Brasil e de Portugal.

J.G. de Araujo Jorge – Fevereiro, 1962
Imagem removida.
in
 Coleção “Trovadores Brasileiros”
Organização de Luiz Otávio e
J.G. de Araujo Jorge
Editora Vecchi – 1959

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                         100 TROVAS  POPULARES
                                 ( anônimas )

* * *
n.01
A árvore do amor se planta
no centro do coração;
só a pode derrubar
o golpe da ingratidão.

n.02                                   n.03
A cantar ganhei dinheiro,               A desgraça do pau verde
a cantar se me acabou.               é ter o seco encostado:
     O dinheiro mal ganhado               chega o fogo, queima o seco,
   água deu água levou.               fica o verde sapecado...

n.04                                  n.05
A dor por maior que seja              Alegria dos meus olhos     
  se comprime, se contrai.               é ver a quem quero bem:   
  Eu nunca vi dor no mundo               quando não vejo quem quero
   que não coubesse num ai.               não quero ver mais ninguém.

n.06                                  n .07
Alma no corpo não tenho:               Amar e saber amar               
minha existência é fingida;               são dois pontos delicados:      
sou como o tronco quebrado,               os que amam, são sem conta:    
que dá sombra sem ter vida.               os que sabem, são contados.     

n.08                                   n.09
Amar e não ter ciúmes,               A menina que eu namoro
  isso não é querer bem;               e que me quer muito bem,
quem não zela o bem que ama,               tem um sorriso que encanta         
muito pouco amor lhe tem.               e vinte contos também.          

n.10                                   n.11
Amigo, não volte nunca               Amor com amor se paga:
aos teus amores passados,               nunca vi coisa tão justa;        
os mortos por mais queridos               paga-me contigo mesmo           
devem ficar enterrados.               saberás quanto te custa.   

n.12                                   n.13
À noite quando me deito              Aqui tens a minha mão
 eu rezo à Virgem  Maria,             ajunta palma com palma  
para sonhar toda  a noite              domina o meu coração,    
com quem penso todo o dia.              toma posse de minha alma.

n.14                                   n.15
Aqui tens meu coração               As rosas é que são belas,
  e a chave para o abrir;               são os espinhos que picam,
não tenho mais que te dar               mas são as rosas que caem,   
  nem tu o que me pedir!               são os espinhos que ficam...

n.16                                   n.17
Bateram, abri por dó;               Carvalho que dá bogalho,
era a desgraça que entrou.               porque não dás coisa boa?        
Fez-lhe pena ver-me só               Cada um dá o que tem,         
e nunca mais me deixou.               conforme a sua pessoa.           

n.18                                   n.19
Chamaste-me tua vida,               Com pena pego na pena,
   eu tua alma quero ser:               com pena quero escrever;
a vida acaba com a morte,               caiu-me a pena no chão       
 a alma não pode morrer.               com pena de te não ver.     

n.20                                   n.21
Coração que a dois ama,               Das lágrimas faço contas
e que depois quer agradar,               com que rezo às escuras;     
não ande enganando os outros,               oh! morte que tanto tardas!        
veja com quem quer ficar.               oh! vida que tanto duras!    

n.22                                   n.23
Deixa ficar descontente               Deus não criou infelizes...
contigo lá quem quiser;               Os infelizes se fazem...     
três coisas nunca se emprestam:               Mas quem pode interromper          
  arma, cavalo e mulher...               o destino que eles trazem?!

n.24                                   n.25
Dizem que o pito alivia               É, si o sór ficasse preto,
       as mágoas do coração;               nunca mais que ninguém via.
               eu pito, pito e repito               Mas teus olhos tem mais força:
e as mágoas nunca se vão.               eles são preto e alumia...       

n.26                                   n.27
Eu amante e tu amante,               Esta noite dormi fora,
qual de nós será mais firme?               na porta do meu amor;       
Eu como o sol a buscar-te,               deu vento na roseira        
tu como a sombra a fugir-me?               me cobriu todo de flor.         

n.28                                    n.29
Eu amava-te, ó menina,               Eu casei-me e cativei-me,
se não fora um só senão:               inda não me arrependi;       
seres pia de água benta               quanto mais vivo contigo, 
    onde todos põe a mão.               menos posso estar sem ti.

n.30                                     n.31
Eu quero bem à desgraça               Eu quero bem, mas não digo
 que sempre me acompanhou;              a quem é que quero bem;             
         tenho ódio à aventura,              quero que saiba que eu quero,  
que bem cedo me deixou.               mas que não saibam a quem!

n.32                                      n.33
Estudante, deixe os livros,               Foste pedir-me a meu pai,
       e volte-se para mim;               sem saber o querer meu;
mais vale um dia de amores               em tudo meu pai governa,    
que dez  anos de latim.               mas nisso governo eu.

n.34                                      n.35
    Fui no livro do destino               Há uma espécie de plantas
      minha sorte procurar,               que vingam sem ter raízes...
 corri folhas encontrei:               Assim são certos sorrisos
eu nasci para te amar.               nos lábios dos infelizes.   

n.36                                     n.37
Inda que meu pai me mate,               Infeliz me considero                
minha mãe me tire a vida,               em todos os meus intentos:   
minha palavra esta dada,               quando penso achar venturas
minha alma está prometida.               não acho senão tormentos         

n.38                                    n.39
Já fui  alegre e contente,               Já não posso ser contente,     
hoje não sou mais ninguém.               tenho a esperança perdida         
 Já fui consolo dos tristes,               ando perdido entre a gente      
hoje sou triste também.               nem morro nem tenho vida. 

n.40                                    n.41
Lá vai uma ave voando               Meu amor, vai pelo mundo:
com as penas que Deus lhe deu,               ir pelo mundo é um bem;                    
contando pena por pena,               o mundo também é regra        
 mais penas padeço eu.               para aqueles que a não têm.

n.42                                    n.43
Meu pai julga que me tem               Minha mãe, case-me cedo,     
fechadinha na varanda.               enquanto sou rapariga,       
Coitadinho de meu pai               que o milho sachado tarde
que bem enganado anda...               não dá palha, nem espiga.       

n.44                                   n.45
Menina dos olhos verdes,               Muito vence quem se vence
dá-me água pra beber;               muito diz quem diz tudo,  
  não é sede, não é nada,               porque ao discreto pertence
é vontade de te ver.               a tempo fazer-se mudo.

n.46                                    n.47
Não me tentes com fortuna                Naquela noite saudosa        
         para contigo casar:               quando de ti me apartei, 
    eu prefiro mais que tenha               cem passos não eram dados
  coração para me dar...               quando sem alma fiquei.

n.48                                    n.49
Ninguém deve, neste mundo,               Ninguém descubra o seu peito
de alheias desgraças rir.               por maior que seja a dor;  
Quando o sol troveja, o raio               quem o seu peito descobre      
não faz ponto onde cair...               é de si mesmo traidor.         

n.50                                    n.51
Ninguém se julgue feliz               No coração da mulher,
por ter tudo em bom estado,               por muito frio que faça,        
   pois vem a tirana sorte,               há sempre calor bastante
faz dum feliz desgraçado.               para aquecer a desgraça.

n.52                                    n.53
No ventre da Virgem Mãe               Ó alegria do mundo              
        encarnou divina graça;               por onde é que tens andado?
   entrou e saiu por ela,               Tenho corrido mil terras,
   como o sol pela vidraça.               e não te tenho encontrado...

n.54                                    n.55
O anel que tu me deste               O coração e os olhos
   era de vidro e quebrou;               são dois amantes leais,
         o amor que tu me tinhas              quando o coração tem penas
         era pouco e acabou.               logo os olhos dão sinais.

n.56                                    n.57
Ó cipreste verde, triste,               Olhos pretos matadores,
cópia da minha figura,               cara cheia de alegria,   
verde qual minha esperança,               um beijo na tua boca               
triste qual minha ventura.               me sustenta todo dia.         

n.58                                    n.59
O meu amor me disse ontem               Ó morte, ó tirana morte,         
que eu andava coradinha;               contra ti tenho mil queixas 
    os anjos do Céu me levem               quem hás de levar, não levas,
       se esta cor não era minha!               quem deves deixar, não deixas!

n.60                                    n.61
  O pouco que Deus nos deu               Os males que me circundam
  cabe numa mão fechada;               são como as ondas do mar:
o pouco com Deus é muito,               atrás de uma vêm outras,    
o muito sem Deus é nada.               sem nunca poder cessar.    

n.62                                    n.63
    Os olhos de meu benzinho               Os teus olhos, pretos, pretos,
são jóias que não se vendem,               são como a noite cerrada...      
são balas que me feriram,               Mesmo pretos, como são,  
são correntes que me prendem.               sem eles, não vejo nada.             

n.64                                     n.65
      O teu pé decerto cabe               Passarinhos, meus amigos,
         num sapatinho chinês,               eu também sou vosso irmão:
   mas a vaidade não cabe               vós tendes penas nas asas,
em toda a China, talvez!               eu tenho-as no coração.    

n.66                                     n.67
Pobre louco apaixonado,               Por te amar perdi a Deus
ai de mim! que não mais via,               por teu amor me perdi,           
que seu amor, pouco a pouco,               agora vejo-me só,                     
                 esfriava dia a dia.               sem Deus, sem amor, sem ti.

n.68                                     n.69
Priva-me de que eu te veja               Quando eu te vi, logo disse:
isso, meu bem, pode ser;               lindos olhos para amar,    
mas privar-me de que te ame,               linda boca para os beijos          
só Deus tem esse poder.               se a menina os quiser dar.

n.70                                    n.71
Quando o sobreiro der baga               Que cigarro tão cheiroso!...   
e a cortiça for ao fundo,               Me dê uma fumacinha.  
só então se hão de acabar               Com a desculpa do cigarro
as más línguas deste mundo.               sua mão pega na minha.         

n.72                                     n.73
Que disser que a vida acaba,               Quem inventou a partida         
digo-lhe eu que nunca amou;               não sabia o que era amar;      
quem deixou ficar saudades               quem parte sem vida,             
nunca a vida abandonou.               quem fica, fica a chorar.   

n.74                                     n.75
  Quem me dera ser a hera               Quem me dera ser as contas
   pela parede subir,               desse teu lindo colar,
    para chegar a janela               para dormir em teu seio
do teu quarto de dormir.               e nunca mais acordar.       

n.76                                     n.77
  Quem me dera ser a seda,               Quem não nasceu pra sofrer
depois da seda o cetim,               desafiar pode os fados,   
        para andar de mão em mão,               que os próprios deuses respeitam
as moças pegando em mim!               os entes afortunados.            

n.78                                     n.79
Quem quiser ter vida longa               Quem roubou o meu amor    
   fuja sempre que puder               deve ser um meu amigo...
            do médico, boticário,               Levou penas, deixou glórias,
 melão, pepino e mulher.               levou trabalhos consigo...

n.80                                     n.81
Quem tem amores não dorme,               Quem tiver filhas no mundo       
               nem de noite, nem de dia;               não fale das alfadadas;                      
   dá tantas voltas na cama,               porque as filhas da desgraça
 como o peixe na água fria.               também nasceram honradas.

n.82                                     n.83
Quem  tiver filhos pequenos               Rouxinol canta de noite,         
por força há de cantar:               de manhã a cotovia;       
quantas vezes as mães cantam               todos cantam, só eu choro          
com vontade de chorar.               toda a noite e todo o dia!

n.84                                     n.85
Venci! Cheguei a subir!               Vossos cabelos na testa
Nada! Ninguém me ajudou!               é o que vos dá tanta graça;   
      Mas comecei a cair,               parecem meadas de oiro
 toda gente me puxou!...               aonde o sol se embaraça.

n.86                                     n.87
Um suspiro de repente,               Ter amor é muito bom
         um certo mudar de cor,               quando há correspondência;
           são infalíveis sinais               mas amar sem ser amado
de quem sofre o mal de amor.               faz perder a paciência.            

n.88                                      n.89
Todo homem que diz que sim               Triste daquele a quem falta,  
        depois de ter dito "não";               na vida, que se evapora,          
primeiro fala o orgulho               uma criança que salta,  
     depois fala o coração.               que canta, que ri e chora!

n.90                                      n.91
Triste durmo, triste acordo,               Triste sou, triste me vejo     
triste torno a amanhecer.               sem a tua companhia;       
         Pra mim tudo é tristeza,               tão triste, que nem me lembro
serei triste até morrer.               se alegre fui algum dia.  

n.92                                     n.93
Tudo o que é triste no mundo               Tu te queixas, eu me queixo...
tomara que fosse meu,                Qual de nós tem razão?
       para ver se tudo junto               Tu te queixas do meu zelo;
era mais triste do que eu.               eu, da tua ingratidão.        

n.94                                      n.95
São três coisas neste mundo               Se esta rua fosse minha        
que um homem de gosto quer,               eu mandava ladrilhar,              
            uma casinha asseada,               com pedrinhas de brilhante,   
um "pinho" bom e mulher.               para meu bem passar.       

n.96                                      n.97
Se eu pensara quem tu eras,               Se mil corações tivesse         
 quem tu avias de ser,               com eles eu te amaria;
          não dava meu coração               mil vidas que Deus me desse
para tão cedo sofrer.               em ti as empregaria.   

n.98                                      n.99
Se onde se mata um homem,               Se tu fosses pé de pau             
 por uma cruz é preceito,               eu queria ser cipó:            
tu deves trazer, Maria,               vivia em ti enroscado      
um cemitério no peito.               no teu corpo dando nó.   

n.100
Sonhei contigo esta noite,
mas oh! que sonho atrevido!
Sonhei que estava abraçado
à  forma  do  teu  vestido !
                                       
in
 Coleção “Trovadores Brasileiros”
Organização de Luiz Otávio e
J.G. de Araujo Jorge
Editora Vecchi – 1959