06 - WALDEMAR PEQUENO

Coleção “Trovadores Brasileiros” (extraído do site www.jgaraujo.com.br)
Organização de Luiz Otávio e                                                            J.G. de Araujo Jorge

  Imagem removida.
Waldemar Pequeno
(Waldemar Dinis Alves Pequeno)

Prefácio de J.G. de Araujo Jorge

Mosquete e Bandolim . . .

Desde o primeiro instante em que lançamos esta “Coleção Trovadores Brasileiros”, eu disse ao Luiz Otávio que acreditava em seu pleno sucesso. O povo brasileiro é rico de sensibilidade, e a trova, a mais expressiva manifestação de sua emoção estética - hoje renasce com uma força extraordinária através de dezenas de concursos e torneios de poesia. Sendo, como é, o gênero de poesia mais ao seu alcance, o primeiro degrau literário para a sua ascensão, ela conta com uma receptividade fora do comum.
O resultado ai está: esgotaram-se em poucos meses os 3 primeiros volumes,
( de Belmiro Braga, Lilinha Fernandes e Batista Nunes), e, ao mesmo tempo que lançamos a 2ª edição dos mesmos, acrescentamos mais 3 volumes à série: o n.º4 , contendo uma seleção de trovas de amor entre mais de duas mil trovas concorrentes aos “I Jogos Florais de Nova Friburgo”; o n.º5, uma coletânea de 100 trovas do “Rei da Trova”, Adelmar Tavares; e, finalmente, o n.º 6, este em que o leitor travará conhecimento com um poeta e prosador, ainda inédito como trovador: Waldemar Pequeno.
Prossegue assim a “Coleção Trovadores Brasileiros” a trilha que se traçou, apresentando não apenas nomes já consagrados, mas inclusive revelando autênticos valores cujos trabalhos não tinham merecido ainda a consagração pública do livro.
* * *
Quando comecei a ler este pequeno volume, ao fim das primeiras 5 trovas já tinha concluído que me encontrava diante de um trovador com excepcionais qualidades.
Escrevi numa nota para os volumes II e III desta coleção:
“O trovador é o poeta que vaza sua inspiração em trovas. Possui qualidades específicas. Pode não ser capaz de realizar um poema grande mas deve ser capaz de fazer um grande poema ao compor apenas uma pequena quadrinha.
Nasceu trovador além de ter nascido poeta. São duas coisas distintas numa só. Todo trovador é poeta mas nem todo poeta é trovador.”
Waldemar Pequeno é poeta e é trovador. A trova que abre este volume é de uma sutileza profunda de pensamento:

Nunca fales core. desprezo
de um vaso por ser grosseiro.
Só Deus sabe se ao fazê-lo
não tremeu a mão do oleiro.

E que dizer da beleza singela desta confissão?

Muitos mundos visitei
levado por meu destino.
- Mas nunca mais encontrei
o meu mundo de menino.

Em compensação, este mundo que o poeta diz que não encontrou, vai-se fragmentando imperceptivelmente nas suas cantigas.
Ao lado da trova levemente filosófica, a trova lírica desponta, espontânea e fresca:

Não sei, das flores da vida,
as que sejam do teu gosto.
As do meu, - ninguém duvida -
são as rosas do teu rosto.

Waldemar Pequeno possui todas as qualidades do poeta-trovador. Simplicidade, aquele sutil jogo de palavras que enriquece tanto a trova em sua estrutura íntima, a imaginação, o lirismo inato. E ainda, essa vivência, indispensável à obra de arte, que lhe dá seiva e cor, perfume e vida.
A sua .trova n.º 4 é arrancada de seu âmago:

Não há fonte neste mundo,
rolando por .entre escolhos
que tenha o choro tão fundo
como a fonte dos meus olhos.

E finalmente, esta flor de trova, para usar a sua própria sugestão.
A trova n.º 5:

Uma rosa, em minha cova,
talvez brote deste amor,
como se fora uma trova
sob o feitio de flor.

Nada mais, nada menos. Precisão absoluta na imagem. Floração lírica de
singela e sugestiva beleza!
Aí estão as 5 primeiras trovas. Daqui para frente, leitor amigo, você seguirá sozinho o ameno e sugestivo roteiro da poesia de Waldemar Pequeno. E estou certo de que se emocionará muitas vezes. Parará algumas outras para se extasiar diante da paisagem descortinada; se deixará surpreso, encantado com o canot dos versos; se extasiará com as florezinhas das trovas salpicando de cravos o chão do caminho para a morada do poeta...

* * *

Waldemar Pequeno (Waldemar Dinis Alves Pequeno) é fluminense, de Piraí. . Nasceu a 23 de Outubro de 1892,
filho do cearense Pio Alves Pequeno e da mineira Maria Isabel Alves Pequeno.
Sua família radicou-se em Minas. Primeiro em Muriaé, depois em Barbacena, onde Waldemar fez o curso, e onde surgiu a vocação literária. Formou-se depois pela Faculdade de Direito, em Belo Horizonte, colaborando nessa época em jornais e revistas de várias cidades do Estado.
Iniciou sua vida como Delegado de Polícia em Aimorés, “em plena mata virgem, à margem do rio Doce, fronteira com o Estado do Espírito Santo, lutando contra a jagunçagem e o caudilhismo!
Waldemar teve uma vida aventurosa. Militou ativamente na política, participou de armas na mão nas revoluções de 1930 e 1932. Foi Delegado de Polícia em Goiânia; criou gado. Mas as rimas e as preocupações literárias eram a sua vocação.
Reside atualmente em Belo Horizonte. Depois das lides revolucionárias, um acontecimento o faria reintegrar-se em suas atividades literárias. Aberto um Concurso de Contos pela Prefeitura de Belo Horizonte, saiu vencedor.
Reescreveu então suas poesias antigas, acrescentou novas páginas e publicou em 1953 o primeiro livro: “Poemas das Vozes Distantes.” Em 1954, lançou “Ouro de Cuieté e Outras Histórias”, livro laureado pela Academia Brasileira de Letras com o Prêmio “Afonso Arinos”, e também premiado pela Academia Mineira de Letras. Em 55, saiu “Campanha Educativa do Trânsito”. De suas obras publicadas, confessa Waldemar Pequeno que a que lhe é mais cara ao coração é “Ouro do Cuieté”, onde narra episódios de sua infância e de sua vida dramática às margens do Rio Doce.
Em elementos que gentilmente nos forneceu, a mim e ao Luiz Otávio, informa que “tem inéditos, além de um livro de trovas a ser publicado, outro de poesia, um de contos e crônicas, e a autobiografia sob o titulo de
“Retorno ao País da Vida”.
E mais as obras seguintes: “4 Soldados, 3 Cozinheiras... 12 Netos, em vésperas de 14...”
Waldemar Pequeno viveu praticamente a sua vida no interior, no sertão. E quando me refiro a interior aí, quero dizer a vida nas pequenas cidades nas pequenas vilas. Suas trovas, por isto, fixam muitas vezes os aspectos pacatos da vida interiorana, sua paisagem, seus costumes. Em algumas de suas quadras, há toda essa filosofia simplória do homem em seu pequeno mundo, realmente muito mais humano que o das grandes cidades, asfixiantes. Daí sua aspiração:

Quem me dera, solitário,
habitar naquele morro,
apenas com meu canário
meu cavalo, meu cachorro.

Eis o seu ideal:

Uma casinha na mata
uma espingarda e meu cão,
meu amor à espera, e o fogo
sempre aceso no fogão.

No morro ou na mata, seu anseio é por tranqüilidade. E' o sonho da casinha pequenina, a casa do caboclo, onde um é pouco, dois é bom, três é demais. Demais, é o modo de dizer, porque o amor multiplica, e os filhos fazem da casa do caboclo uma verdadeira creche...
Não foi à toa que escrevi estas redondilhas no meu “Festa de Imagens”, sobre a “Matemática da Vida”:

“Matemática esquisita
que das suas sempre faz...
Ao final de nove meses
somando dois, - multiplica,
e ao invés de dois, às vezes:
são três, são quatro, e até mais..."

. . . E tudo começa afinal, com aquelas “duas coisas” que o poeta diz que bastam para a sua felicidade:

Duas coisas neste mundo
bastam para o meu agrado:
- pito de fumo de rolo,
mulher cosendo ao meu lado.

A poesia de Waldemar Pequeno recolheu a paisagem e o meio, nos seus versos. Quem conhece o Brasil por dentro, viaja com o poeta em seus versos, sentindo uma imensa alegria em descortinar o seu mundo.
A inclusão de seu nome ao lado de nomes como Belmiro Braga, Adelmar Tavares, Lilinha Fernandes, Baptista Nunes, é um simples ato de justiça à
sua obra, aos seus versos, às suas trovas.
Aí estão rápidos traços da personalidade literária do trovador que não leva apenas o bandolim a tiracolo, para tecer madrigais à vida e à amada, mas que, de mosquete em punho, tem enfrentado o mundo e os homens...
Neste pequeno volume, vocês encontrarão o bandolim. O bandolim de um autêntico e inspirado trovador.

J. G. DE ARAUJO JORGE
Rio, 11/1960
Imagem removida.
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Waldemar Pequeno
(Waldemar Dinis Alves Pequeno)

Prefácio de Luiz Otávio

“Pouco ou quase nada se tem escrito sobre a Trova” - dizia eu na Introdução de “Meus Irmãos, os Trovadores”. E agora completo aquele meu pensamento: “... e muita coisa há para escrever sobre o assunto...” Em livro que estou elaborando vagarosamente - "No Mundo das Trovas" - pretendo fazer um minucioso estudo acerca dessa graciosa forma de Poesia. Abordarei a Trova sob vários ângulos: histórico, literário, crítico, pitoresco etc. Para isso tenho vasto material de variadas fontes e já comecei a escrever alguns capítulos.
Aqui, fica apenas apresentada a nossa conceituação de Trova, conceito que não era o mesmo da Idade-Média, mas que - por motivos vários, se foi firmando e fixando em nossos dias. Atualmente. denominamos Trova "uma composição poética de quatro versos coro sete sílabas, rimando pelo menos o 2." com o 4.", tendo um sentido completo." É a definição que apresentamos no Prefácio de "Meus Irmãos, os Trovadores" e a que é comumente aceita pelos troveiros de nossos dias.
Quanto ao nome trovador - também originário dos séculos XI e XII - tem hoje no Brasil uma tríplice significação: o autor da trova (quadra); o poeta popular dos folhetos em versos (literatura de cordel) que geralmente compõe sextilhas e o cantor-sertanejo que canta variadas formas musicais: martelos, quadrão, agalopado, embolada etc., e é também chamado violeiro ou cantador. Para a formação dos Estatutos do "Grêmio Brasileiro de Trovadores", em Salvador, propus que se especificasse essa tríplice significação do nome trovador. Tal sugestão foi aceita pois o capítulo III - art. 24 ° dos Estatutos daquela associação diz: "O Grêmio considera TROVADOR aquele que é autor de trovas (quatro linhas), o autor de folhetos rimados e o violeiro ou cantador, embolador e todo repentista." Tenho para mim que, com o correr de alguns anos mais, a designação de trovador vai fixar-se no autor da trova ou quadra; enquanto o autor de folhetos será chamado poeta-popular ou de folhetos, e o violeiro por esta designação bem adequada: violeiro ou violeiro-cantador.
Assim fica explicado que a nossa “Coleção Trovadores Brasileiros” diz respeito somente aos poetas autores de trovas, e que a Trova é tomada na conceituação acima referida: apenas da quadra de versos de sete sílabas.
* * *

A Trova tem tido, nos últimos anos, um renascimento surpreendente e facilmente comprovável. A sua grande aceitação, quer pelo povo, quer pelas classes cultas, é um fenômeno deveras interessante. Magistrados, professores, militares, compõem trovas ou sabem trovas de cor; enquanto jovens, ainda nos bancos escolares, têm os seus cadernos cheios de trovas colhidas aqui e ali. ultimamente, a divulgação de quadras pela Imprensa, Rádio e Televisão tem sido aumentada. Organizam-se reuniões, palestras, congressos, como o Congresso de Trovadores da Bahia, o 1.° Salão Campista de Trovas, os Jogos Florais de Nova Friburgo etc. Aparecem vários concursos de trovas, tais como os da Casa do Pôrto
(do Rio), da Casa da Bahia (também do Rio) e os Jogos Florais de "Vida Doméstica" - todos com valiosos prêmios aos vencedores.
Quais as razões desse renascimento? Devem ser muitas. Primeiro, o interesse de renomados escritores pelo estudo da trova anônima, tais como: Sílvio Romero, Carlos de Koseritz, J. Simões Lopes Neto, Melo Morais Filho, Carlos Góis, Afrânio Peixoto, A. Americano do Brasil, Amadeu Amaral, Leonardo Mota, Gustavo Barroso etc. E, mais recentemente Théo Brandão, Guilherme Santos Neves, Augusto Meyer, José Gonçalves de Sousa etc. – que fizeram coleta de quadras e escreveram livros ou artigos sobre trovas anônimas. Dos que se interessam, ultimamente, pelos trovadores ou trovas assinadas, destacam-se: Félix Aires, Rodolfo Coelho Cavalcante, Malha Tahan, Colombina, Maria de Lourdes Costa, Simaco da Costa, Pedro Manhães, Walter Siqueira e outros, que, em livros e artigos, têm divulgado inúmeras trovas e apresentado novos trovadores.
Outro motivo ou causa desse renascimento deve ser o fato de alguns bons poetas como Belmiro Braga, Antônio Antonio Sales, Adelmar Tavares etc., terem dado uma atenção toda especial ao gênero, tornando-o admirado e respeitado. Se antes a trova era olhada como um simples complemento de folhinha ou verso para improviso de violeiro, ela foi aos poucos, com a atenção desses e de outros poetas, adquirindo colorido novo e um prestígio sempre ascendente, até tornar-se quase uma forma nova de Poesia, um gênero todo à parte, que ganhou o nome oriundo da Idade-Média: Trova.
Um fato interessante, também, é a sua generalidade. Se os seus apreciadores são encontrados nas diversas camadas sociais, encontram-se, entre os que a têm usado, poetas de diversas escolas ou tendências: românticos, parnasianos, simbolistas, modernistas etc.
Não seria justo esquecer, entre os fatores do ressurgimento da Trova, o papel desempenhado pela Editora Vecchi. Primeiro, publicando "Meus Irmãos, os Trovadores" - coletânea de duas mil trovas, de mais de seiscentos autores brasileiros, com notas elucidativas e biobibliográficas, dedicando à sua confecção a maior apuro técnico e material. E, agora, lançando a “Coleção Trovadores Brasileiros”
* * *
Esta Coleção - um velho sonho meu - veio também preencher uma lacuna. Há muito observava o seguinte paradoxo: a divulgação das trovas aumentava, crescia o número de seus admiradores, surgiam novos trovadores, entretanto – por incrível que pareça – nas livrarias não se encontravam livros de trovas. A não ser esporadicamente, colocados aqui e ali, em poucas livrarias, pelos seus próprios autores. Eram, geralmente, edições pequenas e quase que para uso interno. O leitor dificilmente encontrava um livro de trovas numa livraria. Notava também que os poetas mortos iam sendo esquecidos e seus livros, esgotados, eram raros até nas bibliotecas. E quanto aos estreantes de valor, esses não encontravam editores.
Numa viagem à Bahia, desfrutando um prêmio que trovas nossas haviam recebido, conversei, no tombadilho do navio, sobre o assunto, com o amigo e admirável poeta J. G. de Araujo Jorge. Falei-lhe do meu desejo de propor à Editora Vecchi a organização de uma Coleção de pequenos livros, em série, com 100 trovas de cada autor, acompanhadas de uma Introdução biobibliográfica e crítico-literária. Disse-lhe que tinha confiança no êxito da iniciativa, mas receava que a Editora não pensasse do mesmo modo.
Araujo Jorge entusiasmou-se pela idéia, levou-a à Editora e combinamos que organizaríamos juntos a Coleção. Para minha grande satisfação e, por certo, dos trovadores brasileiros e admiradores do gênero, foi aprovado o nosso projeto.
* * *
Os livrinhos da “Coleção Trovadores Brasileiros” terão o mesmo formato e tamanho trarão o mesmo título
"100 TROVAS", e igual capa. Sempre que possível, será obedecido o seguinte esquema: sairão três livros de cada vez - um de poeta já falecido, outro - de trovador vivo, e o terceiro - de um estreante. Para os três primeiros volumes da COLEÇÃO foram escolhidos os nomes de BELMIRO BRAGA, LILINHA FERNANDES e BATISTA NUNES. O nome de Adelmar Tavares - como não poderia deixar de ser - foi lembrado para iniciar a Coleção. Por motivos contratuais com outra Editora, a sua apresentação teve que ser adiada. Esperamos para breve a sua honrosa presença em nossa Coleção. Já estão programados, para o seguimento destes, os de Antônio Sales, Djalma Andrade, Nilo Aparecida Pinto, Soares da Cunha, Waldemar Pequeno, Adauto Gondim, P. Celso de Carvalho etc.
O poeta J. G. de Araujo Jorge fará a apresentação da Coleção nos volumes números 2 e 3 e a Introdução biográfica e literária sobre Belmiro Braga. A mim coube a agradável tarefa da apresentação da Coleção no volume n.º 1 de escrever algumas linhas sobre Lilinha Fernandes e Batista Nunes.
Está pois, lançada a semente valiosa da “Coleção Trovadores Brasileiros”. Para que ela germine, desenvolva-se e frutifique, é necessária a ajuda, o carinho, de todos os trovadores e enamorados da Trova. A eles, eu e o poeta J. G. de Araujo Jorge fazemos este pedido: difundam, propaguem o mais possível a nossa idéia; espalhem pelo Brasil os livrinhos da nossa, da vossa Coleção. Só desse modo ela poderá crescer e continuar, dando assim oportunidade a tantos troveiros inéditos e, também, aos leitores, de possuírem uma interessante e magnífica Coleção de Trovas, forma poética que no dizer de Adelmar Tavares é a mais difícil e, ao mesmo tempo, a mais feliz.

100  TROVAS de
Waldemar Pequeno

(Waldemar Dinis Alves Pequeno)

* * *
n.º 1                                                 n.º 2
Nunca fales com desprezo               Muitos mundos visitei,
de um vaso, por ser grosseiro.              levado por meu destino.     
        Só Deus sabe se, ao fazê-lo,              - Mas nunca mais reencontrei 
não tremeu a mão do oleiro.               o meu mundo de menino.

n.º 3                                                 n.º 4
    Não sei, das flores da vida,                Não há fonte neste mundo,
       as que sejam do teu gosto.                rolando por, entre escolhos,
As do meu - ninguém duvida –               que tenha o choro tão fundo
         são as rosas do teu rosto.               como a fonte dos meus olhos. 

n.º 5                                                 n.º 6
        Uma rosa, em minha cova,                Em meu tempo de estudante,
        talvez brote deste amor,                se algum mal me acontecia,
      como se fora uma trova                não sei como, tão distante,
        sob o feitio de flor.               minha mãe logo sabia.

n.º 7                                                 n.º 8
Se à noite as roseiras sonham,              O jaó que ao longe pia,            
     palpitantes e amorosas,              pelas quebradas da serra, 
seus galhos, quando amanhece,              reza, à tarde, a Ave-Maria       
estão cobertos de rosas.               mais dolorosa da terra.

n.º 9                                                 n.º 10
Se o sonho se foi, Maria,                Deus faz pouco da riqueza.
não julgue o mundo medonho:              Aqui, ali e acolá,                        
- depois de um dia, outro dia,              quem quiser ter a certeza        
depois de um sonho, outro sonho.             basta olhar a quem a dá.                

n.º 1 1                                                n.º 12
Goza a fortuna inconstante                Quando passo no caminho
antes que chegue a hora triste.              em meu poldro russo-pombo, 
    A alegria deste instante              muita gente diz baixinho: 
                  amanhã já não existe.             - “Tomara que leve um tombo!”   

n.º 13                                                n.º 14
Creio haver um ser divino,                Rio acima, as águas fendo,
mas duvido que haja ateus.                remando minha canoa.         
- O homem, que é tão pequenino,                Vou cansado, vou sofrendo,           
    não pode viver sem Deus.                Mas Deus me ajuda na proa. 

n.º 15                                                n.º 16
Mulher é como perfume,                Negros eram seus cabelos,
que se evola exposto ao ar:                os olhos - claros e francos.       
- quando expõe os seus encantos,               Mas, com seus cabelos negros,        
eles deixam de encantar.               pôs os meus cabelos brancos.

n.º 17                                                n.º 18
Sela o rico, seja o pobre,                Nosso Senhor deu-me a viola,
    escolha os duros caminhos,                deu-me o que há de mais profundo:
pois a coroa mais nobre                - o canto que me consola         
é uma coroa de espinhos.               das tristezas deste mundo.       

n.º 19                                                 n.º 20
Minha mãe, quando nasci,               Bem perto havia uma fonte
      - doce mãe! – tanto rezou,               na terra em que ao mundo vim.
que é por pena que hoje finjo               A água descia do monte           
     ser feliz quando não sou.               chorando, meu Deus, por mim.

n.º 2 1                                                n.º 22
Pelas terras em que andei,                Do melhor pinho foi feito
  entre o belo, o puro e o vil,                o instrumento que dedilho,
nada no mundo encontrei                apertado junto ao peito
     como o sorriso infantil.               como se fosse meu filho.

n.º 23                                                n.º 24
Hoje vi quando uma abelha                Ó minha velha tristeza,   
     pousava, tonta de amor,                minha doce companhia!
            em tua boca vermelha,                Se algum dia me faltasses,
      pensando ser uma flor.               que tristeza eu sentiria.

n.º 25                                                n.º 26
Voam pelo ar as palavras,                Quem me dera, solitário,
leva-as para longe o vento.                habitar naquele morro,    
- Mas, se as palavras se perdem,                -apenas com meu canário,          
   não se perde o pensamento.               meu cavalo e meu cachorro.

n.º 27                                                n.º 28
Só vi que havia alcançado                O lírio o que tem é a fama
tudo o que no mundo eu quis,                da parábola divina.                 
   quando já tinha passado                Vale mais para quem ama
  o tempo de ser feliz.               uma rosa pequenina.

n.º 29                                                n.º 30
Não castigues teu filhinho!              Lá se vão os bois serenos,  
Olha, ele erra sem saber:              tão cheios de mansidão,   
- quer aprender o caminho               obedientes ao apoio,           
     que terá de percorrer.               sem saber para onde vão.

n.º 3 1                                                n.º 32
Rico, a todos menosprezas,               Tenho por meu padroeiro
mas com franqueza te digo:                um santo que é de valia.   
- por mais que valha a riqueza,                Foi um simples carpinteiro,   
     vale mais um bom amigo.               mas é o esposo de Maria,

n.º 33                                                n.º 34
         Uma rosa em seu cabelo                Quando alguém canta na rua,
é uma coisa que me encanta,                tão silenciosa e deserta,      
como se fosse uma estrela                no céu, solitária, a lua     
       no cabelo de uma santa.               parece uma rosa aberta.   

n.º 35                                                n.º 36
      Não te queixes do destino                Mais que nunca ao mar adoro
por escassez de prata e ouro.                nas noites brancas de luar,    
O homem, por mais pequenino,                quando o pranto que não choro
tendo Deus, tem um tesouro.               parece por mim chorar.       

n.º 37                                                n.º 38
   Não sei se eu ria ou chorava,                Dizem que hoje é o nosso dia,
     se foi sonho ou pesadelo.                o dia dos pais... Convenho.
Só sei é que me enforcava                - Minha maior alegria      
nas tranças do seu cabelo.               é ter os filhos que tenho.

n.º 39                                                n.º 40
          A árvore morre de pena;                Deus pensava em coisas belas
dando ao mata-pau guarida.                quando fez a minha amada
- Quanta gente também morre                -deu-lhe o perfume das flores,
     pelo bem que faz na vida?               as cores da madrugada.         

n.º 4 1                                                n.º 42
Nossa casa não é rica,               Talvez à casa tranqüila,
 pobre, pobre, também não.                onde aos poucos anoitece,      
Mas quem entra, se não fica,                já convertido em argila,           
        deixa nela o coração.               meu corpo um dia regresse.

n.º 43                                                n.º 44
A vida só pela infância,                Seus olhos, o povo diz,         
só por ela é bem vivida,                quando nos olham de frente,
pois é o tempo em que se vive                parecem dois colibris                      
mais ignorante da vida.               bicando os olhos da gente.

n.º 45                                                n.º 46
De tudo o que fui e fiz,                A esperança nos afaga       
        afinal, que resultou?                como um sonho em nosso afã.
   Que importa se fui feliz,                Mas é um sonho que se apaga
agora, que já não sou?               como a bruma da manhã.    

n.º 47                                                n.º 48
Duas coisas neste mundo                Quem tudo nos deu no mundo:
bastam para meu agrado:               - água, fogo, leite, pães -          
  - pito de fumo de rolo,                o que deu de mais profundo
mulher cosendo ao meu lado.               foi o amor de nossas mães.          

n.º 49                                                n.º 50
Ouvindo, ás vezes, na mata,                Neste mundo de viageiros,         
o seu gemido profundo,                que vão por montes e valos
penso que a fonte retrata                uns vão como cavaleiros,       
as mágoas todas do mundo.               outros vão como cavalos.         

n.º 51                                                n.º 52
Talvez, teu fado ajustando,                Vais feliz, fico a chorar-te.
Deus se omitisse um instante.                Afinal, isso se explica             
       Por isso vives lutando                se a saudade de quem vai
       por algo sempre distante.               não dói como a de quem fica.

n.º 53                                                n.º 54
Os que dão esmola são,                Minha terra, como és bela
     quase todos, fariseus,                com teu modo sempre novo!
pensando, por um tostão,                - No alto do morro a capela
ganhar o reino de Deus.               pedindo a Deus pelo povo.

n.º 55                                                n.º 56
Há uma luz que me alumia,                Sepulto-te, meu amigo,        
uma luz que o céu não tem,                meu pobre, meu velho cão, 
nem de noite, nem de dia:                como se neste jazigo          
- a dos olhos do meu bem.               sepultasse o coração.         

n.º 57                                                n.º 58
O que é bom para o Mateus,                Para Deus, quando amanhece,
   é mau para Napoleão.                e ouve os pássaros cantar,
Como é difícil ser Deus                soa o canto como a prece   
com tamanha confusão.               que a gente reza no altar.  

n.º 59                                                n.º 60
Se, por mentira contada,                Que eu viva sem abastança,
a boca perdesse um dente,                sem amigo ou alegria,             
ó meu Deus, que desdentada                mas seja minha esperança          
seria a boca da gente!               o meu pão de cada dia.    

n.º 61                                                n.º 62
Não gracejes das mulheres,                 Lá, bem longe, na distância,         
se não podes falar bem.                 em cada esquina, um lampião
- Não há mulher que não seja                 lembrava, na minha infância,           
uma santa para alguém.                uma ilha na escuridão.           

n.º 63                                                n.º 64
A memória é um telefone                 Seja meu túmulo aberto
entre o passado e o presente.                 de minha casinha em frente,
 Como é grato ouvir por ele                 que eu quero ficar de perto
 as vozes de antigamente!                olhando por minha gente.

n.º 65                                                n.º 66
Messalina que ela seja,                 De todos os bens do mundo,
não merece injúria tanta.                 jamais se alcança o melhor.   
Não há mulher que não tenha                 - Mas, dos pesares da vida,            
alguma coisa de santa.                o nosso é sempre o pior.     

n.º 67                                                n.º 68
Por que, pensando na morte,                Ela é a melhor mãe que existe,
                tesouros acumular?                com seu grande amor profundo.
            Feliz será minha sorte                Pena é que eu também não seja
se só saudades deixar.                o melhor filho do mundo.

n.º 69                                                n.º 70
Estranho comboio é a vida,                No mar cinzento da sorte,
que sempre passa a correr:                cruzado de navegantes,     
     - ninguém o toma por gosto,                 não há nau que me transporte
    ninguém desce por prazer.                aos meus castelos distantes.

n.º 7 1                                                n.º 72
Que desencontro sem jeito                 A fruta caiu à toa,             
o mundo às vezes nos traz:                 porque ninguém a colheu.
- eu ... perder a paz do peito                 Era uma fruta tão boa,       
        ao ver Maria da Paz!                e foi em vão que nasceu.

n.º 7 3                                                n.º 74
         Brilham em suas orelhas                 Não humilhe a quem é pobre,
        duas jóias preciosas                 nem ao rico inveje tanto.
         lembrando duas abelhas                Deus nos irmana e nos cobre,
     pousadas em duas rosas.                a todos nós, com seu manto.

n.º 75                                                n.º 76
No azul dos seus olhos vejo                 Na alma tenho uma paineira
    algo que me faz pensar                 que solta paina todo o ano.
     nos infinitos do céu,                 Cada floco que ela solta
nas profundezas do mar.                representa um desengano.

n.º 7 7                                                n.º 78
Quando ouço um trem apitar,                 Misteriosa fruta é a vida,
    parece que a alma também                 com outras não se parece:
          se perde, triste, pelo ar,                 - doce, quando ainda verde,
        no longo apito do trem.                trava, quando amadurece.

n.º 79                                                n.º 80
Se no mundo o mal é tanto,                 Um mal com outro se casa,
 que torna a existência atroz,                 qualquer deles prejudica:       
       as estrelas são o pranto                 - homem que não sai de casa,
que a Virgem chora por nós.                mulher que em casa não fica.

n.º 81                                               n.º 82
Atravessei-te, Ano-Velho,                 Na arquitetura do espaço,
      as águas em calmaria.                 as nuvens, singularmente,
Grato pelo que me deste:                 dão forma, traço por traço,
- sossego, sonho e poesia.                a muito sonho da gente.     

n.º 83                                                n.º 84
Há tanta coisa sem jeito,                 Uma casinha na mata,
sem que este mundo desande!                 uma espingarda e meu cão,
       - Como cabe no meu peito                 meu amor à espera e o fogo
uma saudade tão grande?                sempre aceso no fogão.

n.º 85                                                n.º 86
  Depois de minha partida,                 Segundo ouvi de um emir,
 virá o caos num momento,               homem de bom parecer, 
    pois tudo acaba na vida                 o mal nem sempre é cair,
quando acaba o pensamento.                mas, cair e não se erguer.   

n.º 87                                                 n.º 88
                 Voa o espírito até lá                 Possam seus filhos também,
  pelos confins da amplidão.               agora que a alma se vai, 
Mas, por mais longe que vá,                 pensar de mim tanto bem
    vai mais longe o coração.                quanto penso do meu pai.

n.º 89                                                n.º 90
Choro tão triste no mundo,               Um cacho de uvas, Maria, 
  da tanta mágoa na terra,                bom é de ver-se na vinha:
só mesmo o choro profundo                - a cor, o olhar aprecia,          
 de um carro-de-bois na serra.                - o gosto, a boca adivinha.         

n.º 91                                               n.º 92
Ninguém desfaça de um crente                 A maior graça divina,                  
a fé que do céu lhe vem.                 obtida por um cristão,       
Seria como se a gente                 é essa filha pequenina
cegasse os olhos de alguém.                 na palma da minha mão.        

n.º 93                                                n.º 94
         Pelo Cruzeiro do Sul,               O que mais a Deus eu peço,    
em celeste resplendor,               quando ouço tocar o sino, 
          à noite vela por nós               é que abençoe a meus filhos, 
 o olhar de Nosso Senhor.                e lhes dê um bom destino.      

n.º 95                                                n.º 96
Arde o fogo na lareira                 Quanto maior a distancia,
  contra a neve da estação              menos se ouve a voz do sino. 
  - Mas, por mais que o fogo aqueça,                Mas, quanto mais longe a infância,        
    não aquece o coração.                mais lembro que fui menino.

n.º 97                                                 n.º 98
Bandeira de minha terra,                 Veja o céu como tem vida,
não te veja alguém jamais                 chorando na noite langue:    
içada em tendas de guerra,                 - cada estréia é uma ferida    
    mas só em templos de paz.                por onde escorre o seu sangue.

n.º 99                                                n.º 100
  É vã toda a nossa lida,                 Já posso morrer sem queixa,
pois tudo, afinal, se encerra                 eu, que vivi tão sem brilho,           
e se resume, na vida,                 pois nem toda gente deixa
   em sete palmos de terra.                um livro, uma árvore e um filho.