05 - ADELMAR TAVARES

Coleção “Trovadores Brasileiros”    (extraído do site www.jgaraujo.com.br)
Organização de Luiz Otávio e
                                                           J.G. de Araujo Jorge

Imagem removida. 
ADELMAR  TAVARES
(1888 – 1963)

Adelmar Tavares da Silva Cavalcanti nasceu em Recife em 16 de fevereiro de 1888. Sobre o seu  nascimento escreveu Maria de Lourdes Costa, na "Gazeta Comercial" de Juiz de Fora, em 1959: “Há setenta anos passados, no 3º andar da rua Santo Antônio, em Recife, num sobrado azul salpicado de estrelas brancas, onde havia uma casa de fazendas chamada: “Loja das Estrelas”, nascia o maior trovador do Brasil: Adelmar Tavares da Silva Cavalcanti.” E continua: ele próprio descreve: “Nossos familiares brincavam com meu pai, dizendo: “Tavares, o menino vai ser poeta. Nasceu nas estrelas...”

Adelmar fez os seus primeiros estudos em Goiana (Pernambuco). Transferiu-se para Recife com 11 anos. Estudou no Colégio XI de Agosto e no Instituto Pernambucano. Formou-se em Direito em 1910. Em Recife, com outros colegas de Faculdade, publicou o seu primeiro livro, em 1907, quando tinha apenas 19 anos. O volume intitulava-se “Descantes”, compunha-se de trovas e os seus companheiros eram: Carlos Estevão, Manoel Monteiro, A. Silveira Carvalho e Moreira Cardoso.

Veio para o Rio de Janeiro logo depois de formado. Nesta cidade ocupou o cargo de adjunto de Promotoria Pública, de advogado do Banco do Brasil e foi, mais tarde, presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e professor da Faculdade de Direito de Niterói. Em 25 de março de 1926 foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira n.º 11 que tem como patrono Fagundes Varela, na sucessão de João Luís Alves, foi recebido em 4 de setembro de 1926, pelo acadêmico Laudelino Freire.
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Conheci Adelmar Tavares há mais de vinte anos, apresentado pelo nosso amigo comum - o poeta A. J. Pereira da Silva. Se antes já apreciava o trovador, nesses vinte anos a minha admiração cresceu e foi se solidificando a amizade.

Em 1947, assim iniciava uma crônica sobre o seu livro “Poesias Escolhidas”:
“Se deixar correr livremente o pensamento, eis as idéias que o nome de
Adelmar Tavares  me sugere:... trova... emoção... bondade... ternura...”

Em 1951 escrevia eu: “Adelmar Tavares é considerado, com inteira justiça, o Príncipe da Trova Brasileira. Suas quadras, nascidas de um coração emotivo, são simples e puras, sem preocupações técnicas e preciosismos. Andam, anônimas, na boca do povo e são admiradas e elogiadas por críticos, leitores e trovadores. Profundamente lírico, possui trovas sentimentais e conceituosas que enternecem e fazem meditar.”

E ao receber o seu “Ramo de Cantigas” assim terminava o artigo que escrevi sobre o livro, em 1955: “...E quantas, nesse “Ramo de Cantigas” poderiam ser citadas?! Quase todas... diria, sem exagero. Pois, os que compõem trovas ou que admiram esse gênero poético, sabem que Adelmar Tavares é um trovador de mãos cheias... Repletas de trovas bonitas, espontâneas e musicais, nascidas de um coração de poeta-trovador. Suas quadras são fáceis. Fáceis de ouvir, sentir e decorar. E são perfeitas. Não pela preciosidade de rimas ou termos raros, mas, sim, pelo sentimento, pela idéia e inspiração."
***
Além de poeta, jurista, professor, Adelmar Tavares é um dos marcos que assinalam o prestígio e a revitalização da Trova no Brasil. Pelo seu valor como poeta e pela sua posição social e literária, ajudou o reerguimento da Trova e sua aceitação como gênero poético dos mais apreciados e mais difíceis. Desde a mocidade, com seu primeiro livro "Descantes", em 1907, até os dias que correm, em 1959, Adelmar Tavares tem contribuído magnificamente para a elevação da Trova na língua portuguesa. Já fez as suas bodas de ouro como trovador! E nesses cinqüenta anos tem sido sempre o mesmo: um sincero e admirável poeta simples, cheio de ternura, - um criador riquíssimo de belas trovas! Neste meio-século como o mundo se transformou! E o menino de Goiana e jovem estudante de Recife como subiu! Advogado, professor, presidente do Tribunal de Justiça, membro da Academia Brasileira de Letras. E, no entanto, apesar das modificações do mundo e de sua própria vida, guardou carinhosamente o seu grande amor à Poesia, conservou permanentemente a sua fidelidade à Trova.
***
O valor da Poesia de Adelmar Tavares, a aceitação de suas trovas, quer nos meios literários, quer nas esferas populares, são fatos tão conhecidos que não necessitam de provas. Mas o que contarei a seguir é tão expressivo que não deveria guardar só para mim:
Quando em 1956 publiquei "Meus Irmãos, os Trovadores", na Introdução pedia que os leitores ou poetas me enviassem a relação das 250 trovas (entre as duas mil) que mais lhe tivessem agradado. Os três primeiros votantes foram poetas e das duas mil quadras apenas quatro restaram com a votação unânime dos três. E dessas quatro trovas três pertenciam a Adelmar Tavares, que no livro tinha mais de seiscentos companheiros. Ao receber a quarta relação, também de um poeta, vi que só restava uma única trova com a votação unânime dos quatro. Essa trova era também de Adelmar e, por coincidência, era a n.º 1 do livro que recebera tal numeração sem intuitos de preferência ou prioridade. Transcrevo-a aqui para matar a natural curiosidade do leitor:

"Para matar as saudades,
fui ver-te em ânsias, correndo...
- E eu que fui matar saudades,
vim de saudades morrendo..."

Fica assim comprovado o grande prestigio das trovas de Adelmar entre poetas e trovadores.
Par outro lado, o seu prestigio popular é muito grande: Eis um exemplo ao meio de muitos.
Tendo eu organizado um "Inquérito sobre trovas populares (anônimas) em todos os Municípios Brasileiros, feito oficialmente pelo IBGE, notei o seguinte fato, muito interessante: chegavam-me às mãos muitas trovas, como anônimas, e que na realidade pertenciam a trovadores meus conhecidos, entre eles, com maior seqüência, as de Adelmar Tavares. E no meio delas, talvez com maior insistência aquela citada acima: "Para matar as saudades", e outras também dele, como esta, vinda do Município de Ourém, no Pará, citada de memória, por Pacifico da Costa:

"E' nossa alma uma criança,
que nunca sabe o que faz,
quer tudo que não alcança,
quando alcança, não quer mais."

Do Maranhão - Município de Paranarama, ouvida em Rosário, num Côco do Mato,
Hilton Pires de Castro envia-nos esta, como anônima:

"A imagem de nossas almas
está nas águas profundas,
quanto mais tristes, mais calmas,
quanto mais calmas, mais fundas."

Do Piauí - Município de Floriano - Messias Alves Feitosa manda-nos esta com a informação:
 "de poeta desconhecido", o que constitui o maior galardão dos trovadores:

"Tu censuras de minha alma
esse alvoroço, esse ardor...
Quem tem amor e tem calma,
tem calma... não tem amor..."

De Itatira, no Ceará, recebemos esta outra, como anônima:

"Todo rio na corrente
busca um lago, um rio, um mar.
Mas o destino da gente
quem sabe onde vai parar?"

...E assim poderíamos ir correndo as fichas de todo o Brasil e nos diversos Estados, em todos os recantos, encontraríamos uma trova de Adelmar Tavares aflorando, anônima, na boca do povo...

... E que alegria e glória maior para trovador do que essa de ouvir as suas próprias trovas na boca do povo?! O próprio Adelmar, saudando o grande trovador português Antônio Correia de Oliveira, na sua chegada ao Brasil, compôs várias quadras e entre elas havia esta, que serve perfeitamente para o seu autor:

"Porque és um Rei de verdade.
- Nem há reinado maior,
que o reinado de um poeta,
que o povo sabe de cor..."

Não cabe na pequena extensão deste trabalho uma análise minuciosa das trovas do nosso biografado. Vejamos assim, rapidamente a maneira de trovar de Adelmar Tavares. O que, em primeiro lugar, ressalta aos nossos olhos é o seu carinho e amor pela Trova, e, ao mesmo tempo, como disse anteriormente, a sua fidelidade a esse gênero. Na Introdução de "Um Ramo de Cantigas" ele confidencia:
"A trova foi sempre, das formas de poesia, a que mais me tocou a sensibilidade, porque foi a poesia dos lavradores de meu velho engenho pernambucano, a poesia daquelas violas inesquecíveis que fizeram o enlevo da minha meninice, e levarei comigo dentro da alma até o último bater do coração."

E esse carinho fica evidenciado nestas palavras simples e saudosas, a respeito de seu livro "Descantes": "Isso é uma saudade muito grande na minha vida... porque essas trovas nasceram das serenatas... O violão... o luar... e a serenata... daqueles lindos tempos.. A serenata era tudo para nós..."

De alma lírica e coração sensível, cultuando a Trova, Adelmar Tavares é sobretudo um poeta simples. De uma simplicidade que encanta e que está presente em quase todas as suas quadras. Não força a sua maneira de dizer, faz as suas trovas como se estivesse conversando. Elas nascem espontaneamente como esta:

"Vivo triste, triste, triste,
que mesmo nem sei dizer.
- Desconfio que é saudade,
que é vontade de te ver."

Numa gravação feita há alguns anos, em meu poder, ele observava: "A trova quando é erudita demais não é propriamente trova... A trova não precisa ter essa erudição profunda porque perde assim o seu espírito, aquele espírito de que o Luiz Otávio falava ainda há pouco..."

Além da simplicidade as suas trovas são sentidas. Têm alma, têm sentimento. Vejam, por exemplo:

"Neste mundo, a certas vidas,
a morte seria um bem,
mas até a própria morte
se esquece delas também."

Por outro lado seus versos agradam porque possuem melodia. São musicais, no ritmo e nos sons. Sintam toda a beleza, sonoridade e poder sugestivo desta miniatura:

"Duvido que alguém no mundo,
olhe sem melancolia,
uma vela no horizonte,
lá longe... no fim do dia..."

Simplicidade, sentimento, música... Com estas três chaves milagrosas vai Adelmar Tavares abrindo o coração do povo e nele aninhando as suas trovas... Tão suavemente que o povo,
muitas vezes, não grava o seu nome... mas guarda as suas trovas... Disse--me ele: “Esse é o destino das trovas: é perder o seu autor... é cair na boca do povo... O povo toma a trova do
autor...” Eu apenas completaria: é o destino das boas trovas...

***

O caráter predominante de suas trovas é o lirismo. O seu cantar é suave, geralmente cheio de ternura e de bondade. Ele mesmo confessa:

"Quem dera que minhas trovas,
andassem pelos caminhos,
consolando os desgraçados,
dando pão para os ceguinhos..."

Na sua mocidade cantou o amor lírica e apaixonadamente. São inúmeras as suas trovas sobre o amor, a saudade, ou para a mulher amada. Vejamos apenas uma, tão delicada e sugestiva:

"Quando vejo o teu sorriso,
tudo se doira e aligeira.
Teu sorriso é na minha alma,
como o sol numa roseira."

Além dessa faceta lírica, sentimental, o Rei da Trova Brasileira é também um trovador conceituoso. Compõe muitas quadras profundas. Daquelas que o leitor lê, repete mentalmente e fica a meditar... Entre outras: "Ora a Vida!... Deixa-a andar." ou "A imagem de nossas almas", ou "Todo o rio na corrente" ou esta, tão profunda e triste:

"A morte não é tristeza,
é fim, é destinação.
- Tristeza é ficar na vida
depois que os sonhos se vão..."

E a trova satírica estará também entre os motivos constantes de sua inspiração? - Não, ela não se harmoniza bem com a alma pura, com o coração ingênuo e sem maldades de Adelmar Tavares. Ele não é contra a trova satírica, humorística, bem feita. Em 1953 me dizia: "Essa trova satírica é usada muito pouco. Quem no Brasil fere, às vezes, essa trova mordaz e que eu aprecio imenso, porque é um dos nossos maiores trovadores, é Bastos Tigre. O Bastos Tigre tem coisas admiráveis... Também magnífico é Djalma Andrade... É uma das grandes vozes trovadorescas nossas..." E terminava: "Quando essa trova (a satírica) é feita sem talento é chalaça..." Com o que concordamos.
As vezes, - muito raramente - ele usa uma leve ironia, como naquela: "Proclamas teu amor-próprio" ou "Tu censuras de minha alma" ou ainda: "Amar com ciúme... Quem ama?!" Em algumas a ironia é dirigida a si próprio, como em: "Para esquecer-te, outras amo".
Há um tipo de trova, tão raro - ou mais ainda - do que a satírica, e que Adelmar usa com talento e felicidade. É a trova sugestiva, pictórica. A trova que faz lembrar o “hai-kai” japonês. O poeta dá leves pinceladas, sugere... e o leitor, sensível e inteligente, captará a semente de Poesia e fará com que floresçam em seu coração as mais. belas rosas que eram contidas naquela semente... Eis um sugestivo exemplo:

"Se eu pintasse minha infância,
pintava, num sol de estio,
a sombra de uma ingazeira,
debruçada sobre um rio:"
Eis aí, prezados leitores, um resumo da vida de Adelmar Tavares, um breve estudo de suas trovas e a citação de alguns de seus pensamentos revelados em palestras íntimas, despreocupadas. É claro que o nosso ilustre e conhecido poeta não necessitava de apresentação. Mas, cumprindo prazerosamente um dos itens da regulamentação da “Coleção Trovadores Brasileiros” foi com imensa satisfação que reli as suas trovas e escrevi estas palavras para o seu livro. Palavras sem brilho, é verdade, mas, assim como as trovas de Adelmar, - espontâneas e nascidas na profundidade de nosso coração.
Rio de Janeiro, março de 1959
Luiz Otávio.

Obs. No II Congresso Nacional de Trovadores e Violeiros, realizado em S. Paulo,
em setembro de 1960, Adelmar Tavares foi aclamado "Rei da Trova Brasileira."

 Adelmar Tavares,  faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 20 de junho de 1963

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Coleção “Trovadores Brasileiros”
Organização de Luiz Otávio e
                                                           J.G. de Araujo Jorge

Imagem removida.
Cem Trovas de
ADELMAR  TAVARES

* * *
                                         n.01                                                      n.02                                        
            Para matar as saudades,                Pouco me dá que se diga
    fui ver-te em ânsias, correndo...              meu verso fora de moda  ,
       - E eu que fui matar saudades,               meu verso é apenas cantiga
     vim de saudades morrendo...               de cirandas, e de roda...   

                                         n.03                                                      n.04                                        
            A saudade é uma andorinha,               Duvido que alguém no mundo,  
         que ao morrer do sol a chama,              olhe sem melancolia,                 
                      as asas tristes aninha               uma vela no horizonte,              
              no coração de quem ama...             lá longe... no fim do dia...         

                                         n.05                                                      n.06                                        
Que tens tu, que és tão sombrio,               Quem dera as minhas trovas
    e hoje a rir, alegre, assim ?...             andassem pelos caminhos, 
          - Mal sabe que só me rio,             consolando os desgraçados, 
                  porque riste para mim...            dando pão para os ceguinhos... 

                                         n.07                                                      n.08                                        
Ora a Vida!... Deixe-a andar,               Eu vi o rio chorando,             
           não queiras da vida ter             quando te foste banhar,         
         o que ela não possa dar,             por não poder , te banhando,
       nem tu possas merecer...            dar-te um abraço, e parar... 

                                         n.09                                                      n.10                                        
        Ninguém se queixa da Sorte,               Coração, fonte da Vida,                 
que Deus de ninguém se esquece.            da vida a própria razão.                
             Cristo nasceu para todos,              - E tanta gente eu conheço,             
        cada qual, como o merece...            vivendo sem coração...               

                                         n.11                                                      n.12                                        
Trovas, trovas da minha alma!               Quando eu morrer, levo à cova
      Da vida quando eu me for,             dentro do meu coração,           
     sede o humilde travesseiro,              o suspiro de uma trova,             
         do sono de um sonhador.              e o gemer de um violão.           

                                         n.13                                                      n.14                                        
        Meu coração, pobre tonto,               Se eu pintasse minha infância,  
       que eu não entendo sequer,            pintava: num sol de estio,        
     fazes morrer quem te adora,            a sombra de uma ingazeira,    
morres por quem não te quer!...             debruçada sobre o rio.               

                                         n.15                                                      n.16                                        
    Os búzios guardam das águas               Por quê, pela humanidade,      
        do mar, os fundos gemidos.             só o eu, soa e ressoas?...        
- Assim fossem minhas mágoas,              - É que há um sapo agachado, 
   guardadas nos teus ouvidos...             dentro de cada pessoa.         

                                         n.17                                                      n.18                                        
       Não quero na minha morte,               Na janela do teu quarto,        
      nem pompa, nem mausoléu.             a luz da manhã transborda.  
           Quero uma covinha rasa,             Bem-te-vis estão gritando: - 
que abra os braços para o céu...             Preguiçosa, acorda, acorda! 

                                         n.19                                                      n.20                                        
         A inveja tem seu castigo,             A luz desse olhar tristonho   
Deus mesmo é quem retribui;            dos olhos teus, faz lembrar 
  enquanto o invejado cresce,             essa luz feita de sonho       
               o invejoso diminui...            que a lua deita no mar.     

                                         n.21                                                      n.22                                        
         A imagem de nossas almas                Vivo triste, triste, triste,
            está nas águas profundas,                que mesmo nem sei dizer. 
quanto mais tristes, mais calmas,                -Desconfio que é saudade, 
quanto mais calmas, mais fundas.                 que é vontade de te ver.     

                                         n.23                                                      n.24                                        
           Um cego me disse um dia,             Sou nesta tarde da vida,      
               que Poesia, inspiração,            cheio de saudades minhas, 
               era uma lua nascendo,            como um telhado de igreja, 
              de dentro do coração.           todo cheio de andorinhas. 

                                         n.25                                                      n.26                                        
      É nossa alma uma criança,               Não quero ouvir o teu nome,
        que nunca sabe o que faz.             nunca mais te quero ver!      
      Quer tudo que não alcança,             - E passo a vida pensando,      
   quando alcança, não que mais...              a forma de te esquecer.              

                                         n.27                                                      n.28                                        
  Quando vejo o teu sorriso,               Neste mundo, a certas vidas,
         tudo se doira e aligeira.               a morte seria um bem,              
Teu sorriso é na minha alma,               mas até a própria morte           
      como o sol numa roseira.              se esquecem delas também.  

                                         n.29                                                      n.30                                        
                      O laço de fita preta               Só peço o dia em que eu morra,
dos teu cabelos, faceira,              faça uma noite de lua, 
        parece um borboleta             todo troveiro descante, 
 pousada numa roseira...             todo violão saia à rua! 

                                         n.31                                                      n.32                                        
          Dizer adeus nada custa,               Tu vais passando, orgulhosa!...  
        alguém me mandou dizer.              Nunca vi soberba assim.            
Mas quem diz que nada custa,               -Ai de ti, por tanto orgulho.          
             queira bem é vá dizer.              Por tanto amar-te, ai de mim!...  

                                         n.33                                                      n.34                                        
    Não se dá regras à trova,               Quem ri do poeta, não sabe,   
que a trova regras não tem.             o consolo que ele tem.         
        A trova é simplicidade,             E o dia em que fosse triste, 
      ela vai, como nos vem...              faria versos também.          

                                         n.35                                                      n.36                                        
           A morte não é tristeza,               As penas em que hoje estou,    
                 é fim, é destinação.             disse-as ao Sol, - fez-se triste.
       - Tristeza é ficar vivendo,             Disse-as à noite - chorou...     
depois que os sonhos se vão...             disse-as a ti, e sorriste...          

                                         n.37                                                      n.38                                        
Mãe, que meus versos incensam,             Saudade - doce transporte   
     quando eu vim do mundo à luz,             da alma adejante e ferida... 
             foi na cruz de tua benção,               - É viver dentro da morte!      
          que eu vi a vida uma Cruz.            - É morrer dentro da vida!   
 
                                         n.39                                                      n.40                                        
  Para esquecer-te, outras amo,               Para definir o Poeta,             
        mas vejo, por meu castigo,             só mesmo em verso defino. 
que qualquer outra que eu ame,             -É um homem que fica velho 
             parece sempre contigo.            com o coração de menino.  

                                         n.41                                                      n.42                                        
Ó meu amor! Ó saudade!               Quanto amor me prometeste!
- E eu não sabia que amor                Nas tuas cartas, que ardor!     
            era uma felicidade                Depois...tudo isto esqueceste,
      disfarçada numa dor.                - Coisas de cartas de amor...

                                         n.43                                                      n.44                                        
       Encerram certos sorrisos               Eu falei da "flor morena"        
               tristeza tão singular,             e entrou a rir quem me ouviu. 
que, em se vendo tais sorrisos,                -Quem nunca viu flor morena,     
           dá vontade de chorar...              foi porque nunca te viu...         

                                         n.45                                                      n.46                                        
                  Todo rio na corrente,               Quem tiver amor, esconda           
busca um lago, um rio, um mar...              faça por muito esconder,             
             Mas o destino da gente,               que as coisas da alma da gente,  
        quem sabe onde vai parar?              ninguém carece saber...             

                                         n.47                                                      n.48                                        
       Do mundo quando te fores,               O perfume do teu lenço       
mais que outra glória qualquer,             trago comigo na mão.        
     deixa a sombra de tua alma,             Mas o cheiro da tua alma,  
           num coração de mulher.            dentro do meu coração.     

                                         n.49                                                      n.50                                        
    Grande dia, este meu dia,               Alguém disse, e é verdade,
       dado por Nosso Senhor.               que o sentimento do amor   
-De manhã, escrevi versos...               ou faz eternidade,                 
         De noite, vi meu amor.                ou então, não é amor...         

                                         n.51                                                      n.52                                        
    Proclamas teu amor-próprio,                Amar com ciúme...Quem ama?!...
se alguém te diz minha dor.               Quem ama assim, desconfia...
-Essa questão de amor-próprio,               - Mas quem tais coisas proclama,
 é muito imprópria no amor...               se amasse, não as diria.             

                                         n.53                                                      n.54                                        
 Ó Mundo! Ó Mundo! Ó meu Mestre!             Tu censuras de minha alma,     
                      Muito me ensinas viver,             este alvoroço, este ardor...      
              e quanto mais tu me ensinas,             Quem tem amor e tem calma, 
                  mais vejo que aprender!...           tem calma... não tem amor...
 
                                         n.55                                                      n.56                                        
Onde anda o corpo, é verdade,               Aos que me foram ingratos,
          vai a sombra pelo chão...              eu grato lhes hei de ser,       
     É assim também a saudade,              pelo bem que me fizeram     
               a sombra do coração.              no bem que eu pude fazer.   

                                         n.57                                                      n.58                                        
Quando a trova nos transmite               Vou vivendo a minha vida,
                    seu feitiço singular,               como Deus quer e consente.
               a gente lê, e repete,             -Sou como folha caída    
     e depois, - fica a pensar...             levada pela corrente... 

                                         n.59                                                      n.60                                        
     Trovas, - cantiga do povo,               De amor... Amor é infinito!
alma ingênua dos caminhos...               Do encanto do seu poder,   
     de lavradores... cigarras...               tanta coisa tenho dito!...      
    mulheres... e passarinhos...              - E tanta coisa a dizer...        

                                         n.61                                                      n.62                                        
Uma vez que a gente cante               Vi hoje uma árvore velha,
   dizendo o que o povo diz,               toda coberta de flor...       
               a trova fica contente,               - E me lembrei de minh'alma,
                   a trova fica feliz...               cheia de sonhos de amor. -    

                                         n.63                                                      n.64                                        
   Que contraste tem a Sorte!            Não lamento a minha lida,   
         No mundo, que ingrata lida!            nem, pobre, choro os meus ais; 
    - A Vida chorando a Morte...              -Quem tem um amor na vida, 
    E a Morte rindo da Vida...             tem tudo ! Para quê mais ?

                                         n.65                                                      n.66                                        
     Sempre que a felicidade              Ardemos na mesma flama,    
      passa no meu coração,              sofrendo da mesma Dor!...   
é como sobre um presídio,              -E é isso que a gente chama 
     a sombra de um avião.             felicidade de amor...            

                                         n.67                                                      n.68                                        
Já lá vai morrendo o dia,               Tua mãozinha morena,       
            e hoje ainda não te vi.             se a tomo, tenho a impressão, 
 -  O dia que não te vejo,            de uma rolinha cabocla    
        é dia que não vivi...            dormindo na minha mão. 

                                         n.69                                                      n.70                                        
Trova que vens novamente               Nem sempre com quatro versos
       encher o meu coração,             setissílabos, a gente                    
       -Sê bendita, luz divina,             consegue fazer a trova;              
          amor de consolação.             faz quatro versos somente.       

                                         n.71                                                      n.72                                        
    Tristeza! Minha tristeza!               A dor que em prantos rebente,
  Doce amiga dos meus ais.               dói, mas pode consolar...           
     Só de ti tenho a certeza               -Mas a dor que a gente sente
que não me abandonarás...               de olhos secos, sem chorar?!  

                                         n.73                                                      n.74                                        
Minha camisa velhinha,              Há nos teus olhos escuros,
 lavada à flor de melão,               o escuro da Ave-Maria.     
 tira-me o peso da vida,               Desconfio que teus olhos,   
 faz-me leve o coração.               são os de Santa Luzia...     

                                         n.75                                                      n.76                                        
        Seria a glória das glórias,               Nuca vi dizer ser pobre       
se um dia alguém me dissesse,              que come em paz o seu pão 
         ter chorado neste mundo,              quem toca sua viola              
lendo um verso que eu fizesse.             sem peso no coração...       

                                         n.77                                                      n.78                                        
Dos meus avós portugueses,               O sol é que faz o trigo;          
      de certo ninguém duvida,              e o trigo, que faz o pão.       
  trouxe este amor pela trova,              Mas se o trigo se faz hóstia, 
que hei de trazer toda a vida.              faz-se sol no coração            

                                         n.79                                                      n.80                                        
A Ventura que hei buscado             Duvido que alguém se deite,
pela Vida, sempre em vão,           no embalo que a rede tem, 
que vezes não tem passado            e pegue logo no sono,            
           à altura de minha mão!...           sem pensar em quem quer bem. 

                                         n.81                                                      n.82                                        
            Sou jardineiro imperfeito,              Depois que, Mãe,. tu partiste,   
                  pois no jardim da amizade,              como uma Santa em seu véu,            
quando planto um amor-perfeito,            o céu que eu vi tão longe,         
     nasce sempre uma saudade...           ficou mais perto, e mais céu... 

                                         n.83                                                      n.84                                        
Minha viola, meu cavalo,               Dos desertos deste mundo,   
       a lavoura dando flor,               sei do mais desolador.          
 Maria, dentro de casa...             - Uma alma sem esperança, 
- Louvado seja o Senhor!            - Um coração sem amor...    

                                         n.85                                                      n.86                                        
   Dizem que há mundos lá fora,               Teu cego de caridade,
que eu nem sonho... Nunca vi...              chora não te conhecer, 
- Mas que importa todo mundo,               e a minha infelicidade   
   se o meu mundo é todo aqui ?              foi ter olhos e te ver... 

                                         n.87                                                      n.88                                        
     Alguém pede que lhe ensine,             Mesmo nos jardins da vida,
         a fazer versos também,              desde a minha meninice, 
  viva e sofra, ame e padeça,                nunca alcancei uma rosa,
         e espere que o verso vem...              que o espinho não me ferisse. 

                                         n.89                                                      n.90                                        
              Essa tua boniteza,               Depois de mandar-te embora,
   não tem, no mundo, rival.               foi que - cego! -percebi,           
   - Pastora da minha Festa!               que eras a felicidade,                 
- Meu presépio de Natal!...              que eu tinha em mão, e perdi.   

                                         n.91                                                      n.92                                        
                Lindo luar no céu flutua...               Não sei por que, quando canto
ao violão, canto os meus fados,              por mais alegre a canção, 
       que Deus fez noites de lua             tem uma gota de pranto, 
     para os que são namorados.             que vem do meu coração. 

                                         n.93                                                      n.94                                        
 Ó lindos olhos magoados,              Sei que amor  é sofrimento,
         de tanta melancolia.              custa vida querer bem,        
- Da tristeza desses olhos,             mas custa o dobro da vida, 
 é que vem minha alegria.            na vida não ter ninguém.  

                                         n.95                                                      n.96                                        
Se Cristo nasceu para todos,               Não há riqueza que valha
             sua luz a todos vem.             um coração de mulher... 
                            Vive o rico na riqueza,             Que eu por um, - vivo os meus dias, 
 mas vive o pobre também...             e todos que Deus me der. 

                                         n.97                                                      n.98                                        
                          Ó quaresmeira viuvinha,             Sempre que alguém abre os braços   
              toda coberta de flor!             para amparar uma dor,    
Quando a viuvinha se enfeita               luz nesses braços abertos 
   é que presente outro amor.               a cruz de Nosso Senhor     

                                           n.99                                                      n.100                                        
Os "anjos da guarda" gostam               Ó linda trova perfeita,      
         da rede dos pobrezinhos,              que nos dá tanto prazer,    
       que dormem a sono solto,              tão fácil - depois de feita, 
ao Deus dará, nos caminhos...              tão difícil de fazer.            
 
in
 Coleção “Trovadores Brasileiros”
Organização de Luiz Otávio e
J.G. de Araujo Jorge
Editora Vecchi – 1959